“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

21
Fev 12


Se há algo que me embala e me descansa, é o simples acto de escovar o cabelo quando está meio húmido e enrolá-lo com as pontas dos dedos.

Ontem, estava numa instituição bancária e sentei-me à beira duma senhora que me perguntou, se já estava na vez dela, disse-lhe que não e ela encetou conversa.

-Fica-lhe muito bem esse penteado, a senhora tem rosto para isso, eu já não posso usar.

-Envelhecemos todos, não é?

-É verdade… já estou quase nos oitenta.

-E deixe que lhe diga que está muito bem.

-Ah e esse vestido cai-lhe muito bem, é muito bonito. Sabe, sempre me disseram que, uma mulher que se arranja, ganha o respeito e admiração dos outros. Hoje em dia a juventude já não leva isso a sério.

-Outros tempos, não é?

-Mas não é viúva é? Gosta de cores escuras, pois.

-É isso. Olhe, chegou a minha vez.

-Adeus, tudo de bom para si, muita felicidade e sorte.

O receio de envelhecer... sempre lhe escapei pensando que morreria antes de lá chegar.

Achas que estive a desperdiçar a vida, o tempo, a pele, os lábios?

Estive a pensar na flor-selvagem, fui mais forte que a vontade e fico feliz por isso.

Apesar de me ter estendido as pétalas, as minhas mãos ficaram guardadas nos bolsos e fechei-o na gaveta.

Talvez noutros receptáculos possamos prosseguir a tingir copos de cristal.

E, mais uma vez, concluo que ninguém pode ser-se em conjunto.

A individualidade e a personalidade são sempre decepadas quando andamos a quatro pés.

O meu cabelo ainda traz o odor de cascas e mel.

Se calhar, Supremo, se calhar era esta a conclusão a que querias que chegasse.

Que posso brincar, abrir os laços, rodopiar em valsas continuadas, enregelar as costas contra paredes marmóreas em embates suculentos de violência mas, não a andar a quatro pés mas, não a ser-me frente a outro par de olhos mas, não a deixar-me desvelar por tempos indeterminados.

Tudo se torna imperfeito na continuidade, tudo se danifica na cadência de dias claros.

Os extremos não podem ser vividos, senão, em golfadas e, eu quero o derradeiro e, o derradeiro é momentâneo como o desabrochar de uma rosa, uma rosa de vida curta mas imensa porque da finitude nasce-lhe a perfeição.

Sou assim, demasiado minha.

Lembro-me de te ter desafiado a provar-me o oposto mas acho que desta vez quem ganha sou eu.

Esta vitória nasceu-me no berço.

publicado por Ligeia Noire às 22:38

13
Jan 11


Chego e sento-me e olho quieta para o céu nocturno da cidade que me acolhe.

Na minha terra os únicos pássaros que interpelam a noite são as corujas e os mochos e, claro, os morcegos mas essas são criaturas de outros passeios.

Aqui, desde ontem que oiço chilreios constantes à hora das bruxas, como se dialogassem com a noite.

Estarão presos por certo, não os imagino em árvores.

O que mais sinto falta neste quarto anti-séptico, nesta terra de ruelas, é a solidão deliberada, a dança a horas da vontade, deambular e restar-me em sítio incerto e calmo.

Enquanto aqui sigo sentada, ao som do chilreio nocturno de pássaro que desconheço, percebo-me calma, aquietada mas também triste, não triste por mim, hoje não, mas triste por saber-me certa da minha solidão de entendimento.

Não me atingem e eu canso-me.

Sei que sabes que já falei disto mas acabo sempre por pisar no charco, não é?

Curioso, o ser humano, sempre à espera que da próxima vez seja diferente, sempre a esperança, a luz ao fundo do túnel que como diz o Valo a maior parte das vezes, senão todas, é apenas um comboio em andamento.

E move-se rápido e atinge-nos e nunca morremos, nem saímos do percurso porque a viagem é circular e não há esquinas para nos escondermos, ou caminhos alternativos.

E no meio de toda esta conclusão que me atinge sempre, tenho momentos, ou tive momentos em que pensei que nem tu, espírito distante, escapavas, pensei já não te conhecer e, perdoa-me dizê-lo, mas até não te gostar, não te conseguia escrever, as palavras não existiam e tudo o que me saia dos dedos não ladeava o coração.

É muito tempo sabes, é muita água, muitas rosas esfaceladas e nuas além-caminho.

Muito tempo, muito tempo mas questionar é natural e por certo continuo a amar-te.

De ti falei e de ti haverei de falar em palavras escritas mas precisas esperar porque tu és e eu preciso de muito tempo para agarrar palavras para ti.

E tu,flor-estranha-da-selva, por ti tudo é mais fácil porque o que te sinto é feito de carne e abraços.

A ela, jamais a perderei porque é minha, já tu, nunca serás meu.

E eu preciso colher as flores e levá-las para a minha câmara para as contemplar a noite inteira.

Tu tens sido demasiado constante, tu que deveria detestar calmamente, adoças em demasia e fazes-me ansiar demasiado, tu assustas-me tanto.

E ainda faltas tu, minha mourning child, disseram-me que pareces doente, que o teu rosto está sereno e triste e pálido, muito pálido, que os teus braços e pernas estão finos, o teu cabelo escuro e pousado nos ombros, está tão quieto como tu, o teu colo e o teu peito estão sós e o teu corpo está delgado.

Eles não entendem, eles não te sabem abraçar e eu sei mas não posso.

Gostava de ter esse teu corpo frágil no meu colo e fazer-te chorar noites inteiras para que finalmente pudesses prosseguir a vida.

Não te quero entender a dor, particularmente essa, que jamais te vai abandonar, receio, mas tudo o que fizeres, eu não questionarei, o amor de sangue é extremo e eu não questiono.

Mas permite-me que refira o quão bela me pareceste, o quão formosa a quietude te poisou no rosto, apenas as lágrimas perturbavam a brancura dos teus traços, jamais te havia vislumbrado tão bela e, apesar de terem sido olhos alheios a dizerem-me da tua curta visita, pressinto que continuas bela porque continuas triste.

Perdoa-me se te soo incorrecta e assaz íngreme mas não existem desvios ou imprecisões nestas palavras.

Recordo o momento em que me abraçaste com olhos de ribeira… o mundo ruiu cá dentro por saber-me sem curas para o teu pesar, para o corte abrupto e imperecível com que o teu coração foi afrontado.

Quando de ti me falaram, eu sabia que tinha de voltar a desenhar-te, a acabar-te o devaneio em que no passado Verão te enleei.

Sei que não lês isto e fico contente, pois acredito que este mundo começa à noite e para lá dos nossos olhos, onde as almas deambulam e se cruzam e dançam e nada mais importa.

Gostava de deitar-me em mantos de veludo carmesim e deixar a Clair de lune embrulhar-me e colocar-vos jarras, imensas de flores.

Das minhas mãos só podem sair carícias, dos meus braços laços ininterruptos e do meu peito, do meu peito e no meu peito mantenho tudo guardado nada sai.


publicado por Ligeia Noire às 04:04
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28
Jul 10


É muito fácil criar uma vítima mademoiselle...

Muito fácil.

Tranca-se alguém num sítio escuro.

Começa a sofrer.

Alimenta-se esse sofrimento, metódica, sistemática e friamente.

Todo o dia.

As pessoas passam diferentes estágios.

(…)

As pessoas já não querem sofrer mademoiselle.

O mundo chegou a um ponto em que só existem vítimas.

Mártires são muito raros.

Um mártir é um algo mais... Mártires são seres singulares, mademoiselle.

Sobrevivem à dor, à privação de tudo.

Sobrecarregámo-los com todo o mal do mundo e eles transcendem-se a si próprios.

Compreende isso?

Transfiguram-se.

  

Excerto retirado do filme Martyrs. Argumento e realização de Pascal Laugier


publicado por Ligeia Noire às 00:50
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06
Mai 09

Era agora um completo incêndio e, os olhos marejados de lágrimas, quase a faziam estatelar-se nos degraus.

Passavam de dez, as vezes que quase foi atropelada que quase caiu por estar demasiado destruída.

Demasiado suicida.

Aliás, seria difícil falar-lhe.

Mas nem tudo seria absolutamente horrível e penoso.

Havia duas ou três garrafas de substâncias inebriantes que a aguardavam há já uns meses.

Estava demasiado calor para conseguir respirar mas chegou rapidamente ao pequeno quarto inundado de flores.

Muitas flores.

Rendas e velas a adornar as paredes velhas e cansadas.

Foi, quase sem ver, ao armário e escolheu-as.

Uma de vinho, uma de vinho e três de vinho.

Deixou cair as sandálias e a camisola perto da gata que a olhava.

Deu-lhe leite e a música submergiu-a.

O copo enchia e esvaziava.

Enchia e esvaziava.

Até não se aperceber do dia que terminava lá fora.

As mãos e o pescoço estavam encharcados.

Os ébrios não têm força mas conseguem sempre arrastar-se.

O espelho do lavatório era demasiado acusador e a vontade de o partir nascia-lhe nos dedos.

Não o estilhaçou "não há dinheiro para outro. Os miseráveis não podem exalar a raiva" e soltou-se-lhe um riso

abrupto e cansado da mordacidade que a acalmava todos os dias.

Sentiu que aquilo era o ponto final.

O término da fuga.


publicado por Ligeia Noire às 10:40
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20
Dez 07


mataram o meu gato e amanhã vou para casa...

publicado por Ligeia Noire às 16:40
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