“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

02
Mai 13


The Persistence of Loss


A tristeza que sempre pensei me ter atingindo neste Mundo, vem de outro lado. São demasiadas provas para olhar e deixar passar. Não sei quando começou mas lembro-me da primeira vez que me senti como me sinto quase todos os dias da minha vida, tinha sete anos e nunca mais passou porque não há nada, exteriormente, que chegue ao primeiro anel do toro, ao cerne.

(...) but I never felt that one other person could enter that room and cure what was bothering me...or that any number of people could enter that room.

É por isso que, assim que descobri este desabafo, me apaixonei pelo Bukowski. Não era preciso explicar, falar... o que ele escreveu é tão importante para mim, como a música, e está sentado à direita do meu Mário de Sá-Carneiro.

E, assim, percebi que não valia a pena fugir porque já vim com isto de lá e não adianta esfregar com mais força durante o duche gelado de todos os dias, não vale a pena procurar, é preciso esperar.

Morrer, só aconteceria se significasse que, ao fazê-lo, toda a gente a quem a dor pudesse procurar para fazer ninho se fosse esquecer da minha existência.

Morreria se soubesse que nunca teria existido para aqueles que me tinham... que jamais provocaria tal sofrimento àquele montinho de pessoas e, isso, é uma prisão, não tenhas dúvidas de que é.

Jamais fui tão clara.

E, esta sensação de que algo de que sinto falta não pertence a este reduto, de que amo algo ou alguém que não cabe aqui ou que não conseguiu descer ou encontrar-me, de que conheci alguém sem conhecer neste agora, junta-se a esta melancolia de ser.

Esta devoção solitária crê que houve um septo que separou almas como o carnal separa ventrículos mas ficaram reminiscências.

É uma espécie de Beside you in time, sempre e ao longo do tempo porque o tempo faz o sempre, sem estar lá mas ao meu lado.

Se calhar não tem nada que ver com amor mas não sei descrever melhor, é algo natural, indissociável, estupefaciente, extremo.

Por tal, associo o não me apaixonar -aqui- ao já estar apaixonada -lá- ou então é algo incompreensível para este receptáculo e a forma como ele o reproduz na minha alma traduz-se nesta espécie de amor romântico devoto.

O problema das traduções...

Lembras-te da viagem do David do Space Odyssey por planos e planos de tempo, onde depois vem a encontrar-se com vários estágios de si?

Quem é, ou o que é aquilo pelo qual anseio?

O que é que preenche este buraco?

Esta cratera, quem é?

Sou eu?

És tu?


Parques industriais com passagens subterrâneas para linhas férreas transiberianas

 

Eu costumo ter pesadelos com comboios, viagens neles, a estrutura deles, as linhas, os túneis, enfim uma rebaldaria. O último foi com um transiberiano branco e um túnel de que já não me recordo mas que me fez sentir inquieta a sério. Aliás, esse não foi propriamente o último. Há umas semanas, sonhei com uma zona industrial rodeada de pinheiros mansos. Só havia um pavilhão, lembro-me de máquinas gigantes que me fizeram tremer e acordar transpirada como se estivéssemos em Agosto.

Esses bichos mecânicos, provavelmente, serviriam para construir coisas ainda maiores, como navios mas aquilo não era um estaleiro naval, aliás, nunca sonhei com rios ou mares ou oceanos, água não faz parte da minha vida onírica, excepto daquela vez e não estava num rio ou mar estava no telhado de uma fábrica que se ia inundando, era um lençol de água e penumbra que cobria tudo.

Mas, se não eram navios, seria para construir aviões, talvez... bem, aquilo assustou-me setenta vezes sete, os meus sonhos são sempre meio penumbrosos, é difícil, tudo é difícil de estremar.

E este foi assim também, era uma estação de caminhos-de-ferro antiga ou degradada, o comboio movia-se numa vala onde trabalhadores ainda estavam a construir a linha ou a arranjá-la ou a fazer furos, não sei, sei que só havia lama e terra salonada, parecia a terraplanagem alagada de uma casa.

Para variar, perdi o dito mas por portas travessas lá consegui entrar e, depois, a turbulência da viagem era tanta que acabei por sair.

Não interessam as pessoas que lá estavam comigo, onde foi ou o etc. e tal, importa que stes sonhos são sempre a partir das seis, sete da manhã, nunca antes.

Há uns meses que me sinto inquieta, ansiosa, angustiada, agitada... há uma palavra que me ocorre sempre em inglês para descrever isto e, eu não penso em inglês mas anda-me aqui às voltas, deve ter vindo de alguma canção: restless, isso desassossegada, obrigada Pessoa vestido de Bernardo.

É uma inquietude, um peito apertado, um olhar vago que espera por espessura, não aconteceu nada para me sentir assim e isso irrita-me desmedidamente e, lá voltaríamos ao inicio deste escrito, se eu não tivesse mais o que fazer e se já não soubesse que é ao eterno retorno a que vou dar sempre.

publicado por Ligeia Noire às 23:01
música: "Le Revenant" dos Mortifera

20
Mai 12


Já aqui falei de ti ainda que brevemnte e, hoje, queria poder criar uma redoma para que um pouco de ti se estabelecesse perto mas não consigo encontrar palavras que sirvam.

Estou apaixonada pelo miolo dos teus olhos, pelo tamanho dos teus cabelos, pela gracilidade das tuas mãos, pela boca menina e rosada que se orla e sacia de enoquiano, pelo teu corpo doseado em cada passo.

Assaz arrebatada pelo que este encerra, é isso, nunca me senti tão sequiosa.

Não quero que amanheça, não quero que amanhã seja Segunda-feira, quero que me dês das tuas sementes, para que as cubra de terra negra e fresca e se faça sempre Primavera no meu cemitério.

És tão belo.

Tão doce, tão teu, tanto de ti é noite estrelada à beira-rio, tão lírio branco, tão coisa de cima.

Estou enamorada pela forma como as tuas longas pestanas te guardam os olhos, pelo gosto e pela beleza que me trazes.

És o meu estro aqui e agora.

De que arbusto brotaste?

De que mar nocturno emergiste?

Ah Deus! Que inútil escrever sobre ti... estou tão apaixonada por raios e esgares e gestos e assomos de graça, sinto-me branda e abençoada.

Tão elevada, como se estivesse envolvida pelo cabelo do Salvador e, num manto sem cor descritível, me achasse nua e interrompida, longe, longe daqui, longe de tudo.

Fazes-me lembrar todas as pedras de quartzo que encontrei ao longo da vida e que quis roubar do sol ao guardá-las na gruta de onde bebo água.

Não te quero para mim, quero que continues a crescer e te estendas, ó minha aradeira bravia, por tudo o que eu conseguir alcançar.

Amo-te inteiro e mais um pouco.

És todas as coisas calmas e demoradas.

Tão imersa neste estado de arroubamento que ainda não te consigo… não, não consigo.

Não pertences aqui, deixa que o escreva, tu sim, tu, Ser que comunga da Mãe-Terra e que tem o avesso de reflexo lunar revestido, tu, não és, pois, daqui.


publicado por Ligeia Noire às 23:06

18
Mar 12

 

 I

 

 

Numa Sexta pequenina

 

Ainda me dói a cabeça, ainda me doem as costas, já é Sexta-Feira.

Já estamos no mês de Março e respondo ao Cavaleiro-das-Terras-Brancas que o tempo passa cada vez mais depressa.

Houve um dia, há um ano, em que estava à espera do autocarro por entre o sol e o céu azul e chega à paragem uma rapariga alta de cabelos fartos, encaracolados e louros, louros.

Tinha umas pernas longas e um porte atlético, deduzi que fosse nórdica.

Um ano depois, vi-a na sala, ri.

Vou observando os seus movimentos e a forma como abre em sorrisos os olhos, afinal não é nórdica.

Hoje, falámos um pouco e, enquanto a ouvia, fui-me dando conta da ironia do destino, ali, as duas sozinhas e não poderíamos ser mais díspares.

Ela é tão delicada, natural, limpa e bonita.

É isso, limpa, limpa, limpa, forte e optimista e limpa.

Ela é a aurora nas suas vestes claras e no seu cabelo de espigas.

Quer conhecer muitas coisas e conhece muitas coisas, nos seus olhos não se vê o medo, só a vontade.

Estou triste.

     II

 

Écailles de Lune part 2

    

Esta canção é desconcertante, desconcertante ao cubo.

Quando confrontado com uma crítica a um dos seus álbuns, o senhor que criou a entidade Alcest, decidiu responder.

O escriba dizia que as canções eram lúgubres, tristes e cheias de noite, mais ou menos isto, o músico ficou muito admirado, não percebia como as composições chegavam tão distorcidas a ouvidos alheios, aquilo era exactamente o oposto do que ele queria transmitir.

Quando petiz, esteve em contacto com uma espécie de Souvenirs d'un autre monde e, esse outro mundo, era-lhe tão confortável, tão puro e tão belo que se apaixonou por ele.

A dita paixão foi tão forte que o fez criar o conceito acima mencionado na tentativa de traduzir e perpetuar o que tinha presenciado.

Uma espécie de Mãe-Terra, um universo de verde líquido vestido que acolhesse os que fossem capazes de abrir os ouvidos e os olhos de dentro.

Eu consigo compreender os dois pontos de vista, percebo o que o Neige diz, consigo aperceber-me dessa dimensão maternal e cristalina nas canções mas também entendo o que os escribas vão apontando, a melancolia e a tristeza que fica.

Eu sei que não era para ficarmos tristes e alagados mas o que acontece, pelo menos comigo, é que esse teu mundo é tão desoladoramente belo, cheio de pequenas plantas e férteis arbustos, tão desaparelhado deste que, embora seja demasiadamente sublime, fere-nos o peito por sabermos ser impossível de alcançar ou, pelo menos, de ficar mais um pouco dentro deste.

Deixa uma espécie de acre nos lábios, quando ligamos o interruptor cromado da lâmpada led e abrimos a janela.

 

III

    

Écailles de Lune part 1

 

Acordei com o senhor da rádio a falar de uma Laura, tenho de trabalhar, tenho de ligar o interruptor branco da luz que cresce com o tempo.

Não ia falar de ti, pelo menos não anteontem mas acontece que sonhei contigo e não é algo que costume suceder muitas vezes.

Acho estranho, és (foste?) tão presente na minha vida e acho que te encontrei por terras oníricas umas... duas ou três vezes.

Hoje sonhei contigo mas não me lembro de mais nada, só daquela avenida estendida ao sol e cheia de demasiadas pessoas.

Será que descobriste que estive nesse mesmo sítio há tão pouco tempo?

É que ando a perguntar-me como se me adensaram os punhos de calcário para não compor palavras e to comunicar nessa altura.

Confesso que me deu um gozo levezinho andar por aí, rir-me por aí e fugir-te ao sol e fazer-te saber quando já estava segura por entre a luz da lua e em terrenos bem mais concentrados e arborizados.

Ainda, há dias, escrevia se não será isto um desperdício de tempo, pele e boca mas, mas, mas, não, não é, não é, não pode ser.

Ah! Perco-me do sentido do que fazia sentido.

Enquanto vinha para casa, e o senhor acima cantava as terras que são só dele, pensava no quão estranhamente inconveniente é reconhecer que és apenas tu, o sabedor do meu mais largo segredo, tu que nem sequer sabes exactamente de onde sou, ou o que faço, sabes deste laço branco atado e também da minha pele, da minha boca, dos meus cabelos, das minhas unhas, dos meus olhos abertos para onde quase saltaste e do laço branco bem atado, como é que isto é possível?

Que idiotia… todas estas coisas a encastelarem-se dentro da minha cabeça e a não me deixarem ver em condições.

Não entendo, não entendo Supremo mas por que raio isto começa a gatinhar ali ao fundo, se planeámos acabar com as noites desenhadas e voltar para dentro da linha vermelha?

E agora deixas que estas palavras, feitas imagens, atormentem todos os cantos da minha cabeça.

Eu detesto-o.

publicado por Ligeia Noire às 12:51

17
Jan 12


Não é que me doa a cabeça mas ando a atulhá-la sem responsabilidade e não lhe dou tempo para que arrume tudo em gavetas.

Sinto-me um pouco fraca e muito… muito cansada, cá dentro.

Hoje o medo abateu-se sobre mim, como uma ave de rapina, pensei que se devesse às coisas que luzem ao sol mas continuei com ele agarrado à tiróide, como catarro.

O quarto está frio e os pulsos estão porosos, deitei-me um bocado para esvaziar as entranhas e devo ter dormido uma hora pequena, sonhei com coisas escuras e pessoas efémeras.

Acordei com os salmos dos Les Joyaux de la Princesse mancomunados com os Death in June, que à semelhança dum remoinho, volteavam e volteavam, abrindo uma porta na noite escura.

E preciso de escrever.

Há uns tempos, a senhora de negro disse que ao longo da sua vida encontrou alguns raros com quem nunca trocou uma palavra mas com quem sentia um entendimento mútuo, apenas pelos curtos cruzamentos de olhares.

Olhares de entendimento.

Quando li isto, há alguns anos, não compreendi como alguém podia passar anos a ver uma pessoa, com a qual sente empatia, e não falar com ela, porquê?

Hoje compreendi e, curiosamente, sinto uma satisfação mansinha.

Isto foi-se sucedendo sem que me desse conta e quando me apercebi, sorri.

É espirituoso, não é verdade?

Refunda à não existência de acasos.

Há uma senhora, na minha escola, um pouco mais velha do que eu e uma rapariga, onde vivo, um pouco mais nova.

Ambas exercem o seu fascínio sobre mim.

Vejo-as, ocasionalmente, desde que entrei neste circuito.

São ambas muito bonitas, discretas e reservadas.

A mais velha tem os cabelos compridos ondulados e a mais nova tem os cabelos curtos e vastos.

Lindos, lindos cabelos de carvão.

A dama emana uma calma, equilíbrio e temperanças que me atravessam de um lado ao outro.

No entanto, tal como as sirenas dos gregos e as águas dos lagos, que placidamente aguardam pela lua, haverá, pela certa, mistérios que são só dela.

A donzela é o exemplo de moça que cresceu antes do tempo, ri sem esboçar sorriso, gentil, delicada, espirituosa e que bela e graciosa atravessa a rua.

Mulheres tão detalhadas, delicadas como diamante.

Cruzei-me com as duas hoje.

Dei conta das vestes longas da senhora a abandonarem um corredor e deparei-me com a figura de alabastro da donzela a espelhar conversas no átrio.

Cruzámo-nos nos olhos várias vezes, o entendimento atravessa-me e falámos sem falar.

Já me disseram muitas coisas e eu gosto muito disto, gosto muito de observar e gosto, mais ainda, de ter momentos de entendimento e compreensão sem dizer uma única palavra, como se tivesse subido uma caleira e pudesse espreitar por cima das nuvens ou, descido duas, e fosse visitar a barriga da Terra.

E, ao contrário do que achei no passado ao ler o texto da senhora de negro, jamais lhes quero falar, não preciso e alagaria tudo.

Que rudimentares me parecem estas palavras para descrever tais singularidades.

É tão engraçado quando nos apercebemos de que temos almas que nos brotam dos olhos.

Almas que já viveram e vivem outros mundos.

publicado por Ligeia Noire às 21:10

04
Abr 11


Tens?

Quero, preciso.

Vai ser duro, my little piggy needed something new.

No teu quarto ou na ponte?

Nothing can stop me now because I just don’t care anymore.

Sabes que esse é o estado mais perigoso, quando já não temos medo?

Ajuda-me, fodi o meu mundo, tenho as mãos sujas.

God is dead and no one cares

If there is a hell I'll see you there.

 E sabes disto tudo, prende-me o corpo e eleva-o.

-É o teu Deus que está morto?

-Sou um buraco negro nasci para apodrecer aquilo em que toco. Sou um ácaro, sou pele morta, sou um feto raquítico e escanzelado que só vive da fome.

-É justo, assaz justo. Custa-me olhar-te, esconde o coração, fecha as costelas.

Help me, I broke apart my insides 

Help me, I've got no soul to sell
Help me, the only thing that works for me
Help me to get away from myself

-Sabes o que vem a seguir?

-Estás muito vazia.

 -Coloca-me as mãos no pescoço e pressiona, entra e destrói. Uma, duas, três, dez vezes. Faz-me em ti e dá-me o copo gelado aos lábios, entorna-o e deixa-me em coma.

Rasga-me o peito, corta-me, prepara e doseia-me.

É tarde nunca foi cedo.

A vossa compreensão faz-me vomitar.

How did you get so big?

How did you get so strong?

How did you get so hard?

How did it get so long?

 -Como chegaste até aqui? Não gostas deles? Não ouviste as dores deles? Queres mesmo condenar-te?

-Olha para mim anjo do desterro.

-Toma e escolhe o que melhor te aprouver.

Foi disso que me apercebi, é isso que sou, e é isso que faço.

Asco, asco, asco.

Jamais quero ver isto sem ter os olhos baços.


All excerpts in this post are from Trent Reznor/ Todos os excertos contidos nest post são da autoria de Trent Reznor


publicado por Ligeia Noire às 20:59

31
Mar 11


Algures em 2005 ou seria 2006?


Prelúdio


Rapariga frente a um estirador, aula de Literatura e Interpretação de Desenho Técnico.

O Professor manda fazer um exercício.

Perspectiva dimétrica, não sei de quantos graus, de uma máquina em corte ou seria uma ferramenta?

A rapariga sentada na cadeira olha para as folhas que tem entre as mãos e vira uma ao contrário.


Desespero


Se desenhássemos esta rapariga em perspectiva dimétrica ou mesmo cavaleira, vê-la-íamos a escrever e a escrever como se estivesse a injectar heroína na veia gorda do braço esquerdo, a ânsia é a mesma, fazer com que passe, com que diminua de tamanho com que o mundo pareça menos grave.

O professor dá passos pelo meio das filas ininterruptas de estiradores e ela está ali, a tentar tirar o mostrengo de cima das costelas.

O professor estaca-se atrás dela, como um gato silencioso, põe-lhe a mão pesada no ombro.

A rapariga cora demasiado e enterra as unhas nas pernas, a vergonha era demasiada, a vergonha de não ser suficientemente normal para pedir ajuda, a vergonha de desiludir, a vergonha de não merecer o sopro, a vergonha de ser ela ali assim, com aqueles olhos mortos e aquelas mãos que nada sabiam de respostas, nem de soluções.

A vergonha de saber que ele sabia, a vergonha de saber que ele tinha pena, a vergonha era tanta que voltou a ter quinze anos e deslizou para o fundo da oficina, escondendo-se atrás de um pilar.

Eram tantas coisas acumuladas num coração que continuava a ser pequenino.

Percebi bem o que escreveste? Estás assim tão aflita?

E ela transbordou como um regato em noite de lua cheia.


Algures no começo do Mundo ou seria no teu começo?

 

Interior


Não sei bem quando isto começou, não sei se começou, se sempre esteve aqui, se tinha consciência de que aqui estava ou se me aconteceu alguma coisa da qual me esqueci.

Não sei falar disto e, às vezes, tenho vergonha de que me perguntem coisas do buraco negro porque sinto sempre que não há palavras que me arranjem uma boa resposta.

Às vezes, é mais simples dizer que temos uma dor num qualquer membro ou que nos falta alguém ou que tivemos um mau dia.

Não podemos desenhar-lhes estas palavras:

olha, ontem à noite adormeci de olhos enxaguados, anteontem também e creio que antes de anteontem aconteceu o mesmo.

Não podemos dizer:

houve um dia, em que não sabia como respirar, as costelas adelgaçaram o coração, o sangue escoava pelo nariz, a cabeça rodava em valsas e o medo era tão grande e tão pesado que parecia ter perdido o corpo.

Não é isso, não compreendes.

Se deixasses de ser tão obtusa…

-As minhas mãos tremem todas as manhãs, as costas doem-me e as pernas também, o estômago aperta-se e, às vezes, a cabeça deixa-me nauseada.

-Já foste ao médico? 

-Não quero ir ao médico, não quero mais médicos. Esta semana o cheiro a adubo e enxofre andou sempre por ali…

-O quê? Não entendo, mas não andas na escola?

-Ando e, às vezes, não sei ler nem escrever, às vezes, sinto que nem sequer tenho opinião. Sabes, é como se já tivesse prescrito.

-Dizes coisas sem sentido, se calhar se cortasses o cabelo e aclarasses as roupas.

-E agora, Gostas mais de mim assim?

-Não. Continuas igual, os teus olhos parecem-se com os de um agarrado ao cavalo, não, não é isso, é pior, eles têm coisas lá dentro, como se... não sei, agonias-me!

-Há muitas coisas que não sabes sobre mim, há muitas coisas que tenho vergonha de contar.

-É isso! Os teus olhos, o teu corpo, é como se fizesse sempre noite nele, vês? Já me estás a contaminar com os teus ditos estranhos.

-Tens razão. Mas eu queria ser dia, eu queria amanhecer.

-Acho que sei o que tens… Acho que estás doente e… há muito, muito tempo.

-Doente? Não.

- Não? Tu estás doente.

-Os pobres nunca estão doentes. Não há meio termo, ou estão vivos ou mortos.

-Conta-me uma coisa sobre ti, quero aprender-te, deixa-me aprender-te um bocadinho hoje?

-Gosto de ver as pessoas felizes, gosto do sol delicado, gosto de gostar dos sentimentos bonitos e gosto muito de cinema de terror extremo e violento.

-Gostas de sangue?

-Não. Desmaio até, detesto. No entanto gosto de filmes pesados e pesados, como se precisasse de doses cada vez mais fortes para sair daqui.

-Mas não achas que isso te deixa ainda mais penosa e doente?

-Não sei, acho que me ajuda, acho que me amansa.

-Se calhar precisas de uma pessoa, sabes… um amante.

-Dizem que isso é importante.

-O amor é a coisa mais importante do Mundo.

-Então sou analfabeta.

-Gosto de falar contigo, não sei se é porque estás anestesiada mas tu és muito meiga, muito pequenina.

-Dizes coisas bonitas. Tu sabes da cura, não sabes?

-Sei sim. 

publicado por Ligeia Noire às 22:06

29
Mar 11


Respirar


Give me something for the pain 

Give me something for the blues 


Give me something for the pain 
When I feel I'm dangling on a hang-man's noose 


Give me something for the rain
Give me something I can use

  

Foi das piores semanas que tive e coisas muito feias haveria para dizer, muita saliva para cuspir muito fel para escoar de dentro mas há coisas que fazem milagres, não curam mas velam.

É o regaço de sempre, o vicio de sempre, a anestesia de sempre.

Veio devagarinho, deitou-se na minha cama e encostou o meu corpo chagado ao seu peito imenso.


Efeito


I dream of wolves

With them I run
For me she lengthened the night
I am home
I am in peace


Quente, o estômago acalmou, o redemoinho abandonou a cabeça e as minhas mãos deixaram o tom violáceo.

Mesmo com tudo a partir-se de todos os lados, mesmo sabendo que atingi níveis insuperáveis e irreparáveis, não estou desgarrada.

O velho círculo, onde cada um de nós deposita com cuidado as flores, flores que pingam, gotejam e crescem, indefinidamente, dos mistérios destas chagas que nos perseguem até se tornarem tão fundas que um dia não conseguiremos ser mais do que uma poça de sangue de onde todas elas sairão para desabrochar na perfeição e agudeza que nós nunca conseguimos atingir.


Longe, aqui.


Music is the strongest form of Magic

   

Foi assim que a musa me deixou, abrandada, como se me tivesse levado até aos dias em que bebia leite morno acabado de mungir pela minha mãe, da vaca preta e branca que tinha olhos grandes e da cor dos meus.

Foi isso que ela fez, esta musa sublime, abrandou-me e deitou-se junto das minhas pernas e braços abandonados e disse-me em tons universais que pairamos juntas pelos mesmos abismos, que o mundo é um sítio grande e cheio de pessoas e que, talvez, esta até seja a minha última viagem, o meu último casulo.

 

Está quase, contraria-me. Eu sei.

 

And when the day arrives

I'll become the sky

And i'll become the sea


And the sea will come to kiss me

For I am going Home

Nothing can stop me now

   

Ou então mesmo que seja somente pó e ao pó retorne, tenho as veias abastecidas, inchadas e suculentas da seiva desta musa sublime e, tão simples, que não quer, senão, que a ouçamos e a abracemos desnudos.

 

Redenção na queda

 

(…) it’s a cathartic experience for hopefully everybody.

You are going through universal pain together.

The pain of losing people around you, the pain of growing up and the pain of, as you grow up, learning that, actually, you don’t know anything.

 The world becomes day by day a bit more complicated place and basically is good to know that you're not alone (…) and to be able to confront the negativity in the world in general with a smile on my face, more or less.

It’s tough and it’s hard and it’s hard for everybody but it’s crazy how a person lives a zillion miles away in a place called Helsinki sits on his bed, feels something and picks up a guitar and puts that feeling into the music...

A couple of words a couple of chords and through a long process gets that thing recorded and all of the sudden the music spreads all around and what happens is that it does exactly the same what it did for the perpetrator, so to speak, it’s a weird cycle (…) at times its painful and at times its rejuvenating, hopefully both at the same time.

 

Quotation of Ville Valo’s interview on The digital Versatile Doom

 

Portanto, lay me down on a bed of roses quando morrer e que os espinhos destas se sintam em casa. 

publicado por Ligeia Noire às 01:14
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27
Dez 10

 

Era uma janela alta.

Era uma floresta escura.

Era um sono induzido.

Era uma queda ininterrupta e rubra. 

 

A dama de paus cerrava os punhos e as unhas cravavam-se-lhe na carne rosada.

A dama de paus era preclara e minha.

As bagas cresciam e desenrolavam-se ao sol, as urtigas ladeavam toda a cercania, a imensidão tolhia-me os passos.

E foi assim, errante, que a encontrei.

Coberta pelo entardecer, adocicada e de faces translúcidas.

A minha dama de paus jazia encoberta de nada e furtiva do alheio.

Recolhi-lhe aos olhos duas gotas e ela espreguiçou-os, senhora escarlate.

Levantou-se como uma folha de Outono ao vento e deu-me a mão de vidro.

Trazia os cabelos envolvidos em grinalda de azeviche e os meus olhos não cessavam de a rasgar.

Seriam pois, carmesim, envergonhariam as framboesas que lhe iam resvalando para a boca.

Onde seria essa câmara dela?

Para onde arrastava ela as vestes?

A minha mão tinha-a, os meus olhos beijavam-lhe os cabelos e derramavam-lhe lírios nos pés.

A grinalda era imensa e o rosto escondia-se de mim.

Era um portão alto.

Era um dia a adormecer de Outono.

Eram sapatos graciosos, a desabrocharem caminho por entre as nozes.

Era a mão dela a prosseguir na minha.

Entrámos e o arvoredo escuro de amoras, bétulas e teixos abarcava-lhe o resguardo.

Ela acendia candelabros e castiçais e movia-se como uma sombra.

A câmara alumiou-se, havia urze branca na janela.

Aproximou-se de mim, deixou cair a obscuridade e vi.

Vi-lhe os olhos de ribeira.

Senti-me crua e impossível e mais ela derramava a alma.

A minha dama de paus estava quebrada e chorava, como se eu estivesse a trespassá-la com uma adaga.

As minhas mãos não sabiam de curas, os meus braços não tinham força que a estancasse.

Ela era dela e eu minha e, no entanto, sabíamo-nos de cor e eu não a conseguia conter.

Desci-lhe as mãos ao peito e abracei-a toda.

As lágrimas dela, tão cheias e incessantes, caíam-me pesadas e quentes no pescoço e, o coração, adensava-se-me ao ouvi-la sibilar de dolência.

Minha menina...

Abri-lhe o cabelo e entrancei-o nos meus dedos.

Provei-lhe o rosto e deitei-a no meu colo.

Segurei-lhe o corpo e a lua foi entrando no céu de veludo.


publicado por Ligeia Noire às 02:10

07
Fev 08


Não entendia como conseguia ver através dos teus olhos o que sentias.

Ver como se tivesses sido parte de mim, há eternidades…

mas eu via… e tu vias também…

Tu olhavas para dentro de mim e curavas as feridas, estancavas o sangue.

Entre nós não pertencia nada mais.

Tu lias-me e eu lia os teus olhos.

Éramos assim.

Tu olhavas para mim e eu via o mundo.

O outro mundo.

O nosso laço.


publicado por Ligeia Noire às 15:15

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