“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

08
Abr 13

 

Foda-se é tarde, estou com o rádio mal centrado na antena 3, isto deve ser a Nação Hip-hop do Abreu. Ora aí está um género que me é antagónico, por falar em rap, acabei de ver um filme sobre um tal de Notorious Big, só me lembro do nome do tipo por causa dele, ya da flor-selvagem.

Foi também por ele que ouvi, pela primeira vez, o nome Tupac, o gajo que fazia rimas e curtia Shakespeare. O senhor da lei que me veio oferecer um bouquet, há uns tempos, também era da mesma onda mas vivia do outro lado do rio e, ao contrário do cliente do Caronte, lecciona o catecismo e gosta do David Mourão-Ferreira.

A flor-selvagem, esse incógnito que tanto pó por aqui agitou...

Ah... foi preciso passarem anos para me dar conta do resto, só vejo o minucioso, lembras-te?

Ele permitiu que eu me desse conta de que foi sempre entre mim e mim, o meu carreiro esburacado, ajudou-me a ser ainda mais minha, lutei sempre comigo, era para mim que os degraus se estendiam, não para cima como ele queria, o nirvana, mas para baixo, o escondido.

Sempre foi desejo, entre nós, sempre foi tentação prolongada, camisas rasgadas e conversas sempre de madrugada: ele pedrado e eu bêbada.

O lírio, eu o lírio, o cabelo, as mamas pressionadas no corpo estendido e ya pára aí, cabeça minha de pensar.

Antes de todos estes detalhes se alinharem como um mapa astral, comecei a pensar que lhe tinha perdido o respeito, eram ideias de ah e tal um ilícito, lunático, narcisista, já fui nesse barco, já estou por cima mas o passado é o passado e a selva vai sempre albergar uma flor que cresceu no e do cimento.

Mas não foi por isto que tive de vir aqui, foi pelo Cavaleiro, quero oferecer-lhe raios de luz, quero fazer-lhe tranças, como as dos bravos da Escandinávia, foda-se eu faço-o sorrir, eu faço-o sorrir.

Porra, se não me apaixonar por este, ganho uma viagem na barca, só de ida e sentada numa almofada de veludo carmesim, topas?

Nunca liguei a estas merdas quadradas do amor e dos duos, tu sabes, eu escrevo de coisas pentagonais mas isto da vida humana, da verdade dos olhos, da humanidade, da relação entre almas fita-me as orelhas como a um felino.

Eu gosto dele.

Talvez ele te consiga curar, digo-me.

Sabes Supremo, isto é importante, ter o condão de fazer o dia abrilhantar-se só porque sim, mostrei-lhe que o Mundo não é assim tão miserável, que a vida não é totalmente uma merda dolorosa, fico contente.

Da minha negritude, adormeci todo o meu abismo, o paradoxo!

Não escondi Supremo, nada, mas quis que ele fosse feliz e foi, nessa coisa de felicidade compartilhada que me vi de sorrisos tolos quando se lhe abria o sol no rosto coroado pelos olhos azuis.

Não o permitiria a mais ninguém, sabes, de me ver assim... docinha e amenizada, também nunca quis ser o lobo, ou o predador, sou das que sabe baixinho, sem estrilho, das que quer um berço mas que não embala mas isso não invalida que faça a ventura de quem a merece, girl behind the wheel, driving anywhere, é... se calhar não há volta a dar, tenho de assumir que, se calhar, não vai ser assim, não nesta vida, não nesta volta.

publicado por Ligeia Noire às 02:20

27
Nov 12

 

Oiço My Dying Bride, o Evinta e, apesar da Loud assentar que foi um exercício inútil, continua a parecer-me um

belo, fantasmagórico, ambiental e melancólico trabalho do que melhor se faz nesse plano.

Estou triste, deve ser de tudo estar acobreado lá fora... bem, agora não, agora está escuro, uma lua siberiana

de tão bela e um céu que se deixa alumiar por ela, finalmente.

Estive a pensar ontem, pensar, e já não sei o que sabia, pelo menos não com certezas de quem agarra a mão dos pais para atravessar a estrada.

É que a culpa também não é minha, é desta inconstância e insatisfação que tenho.

E sabes o que me veio à memória?

Quando estive com a flor-selvagem, exactamente há quatro anos.

E, apesar do que quero dizer se prender com:


-afinal até gosto dele, afinal até lhe sinto um doce carinho nostálgico-


Bem, apesar de ser isso o que queria escrever para que ouvisses de olhos fechados, o que rememorei foi o quão leve, desprendida e animada me deixei ficar, nada mais, apenas corpo e irracionalidade.


Singular.


Tudo foram toques e beijos e mãos e enleios de desejos, sim desejos.

Mas estive lá, não só para o beijar mas para a ver também e lembro-me do antes, lembro-me de estar naquela

casa térrea em rua perigosa e estarem na sala esperando para que me juntasse aos comensais para o jantar.

Estava no jardim feio e escasso porque o telemóvel tocou.


Ela.

Olá.

Ouvi.

Ouvindo…


Cerrei os dentes mas depois a minha raiva tesa escacou-se de tão fraca e chorei uma meia dúzia de lágrimas

corridas para as mãos, para que pudesse ir jantar incólume e esperar pela noite branca.

O quarto era espaçoso, estava muito calor, a rapariga que dormia ao meu lado ressonava, procurei pelos auscultadores e…


Cult of Luna.


Estava naquela paixão arrebatadora de os ter descoberto há meia dúzia de dias e de não conseguir desapegar-me deles.

Eram e são como um exército de templários que se coloca à porta do castelo para que dali ninguém passe; provavelmente até seria a Leave me here ou a Waiting for you… e chorei apenas metade do que havia para chorar, para que ela não acordasse.

Naquelas horas nocturnas tive saudades de casa, odiei os doirados cabelos tabágicos do lado, quis que a flor-selvagem, que dormia a alguns metros e por quem eu não estava enamorada mas que me prendia o sentido, saltasse do tecto como um vampiro faminto e me fizesse esquecer as dores velhas e cansadas, odiava

a cidade e chorava por tudo, pela que já não sei e sei e não sei, perco-me toda...

Ela estava no planeta ao lado desde que as cervejas verdes ocuparam o seu espaço na mesa de pedra do episódio anterior.

Rememorei hoje, esse ontem todo.

No dia seguinte, entrei na escarpa dele para poder voar.

Não pairar, voar, e voei e gostei e foi bom e branco.


I'll be your lover, I'll be forever

I'll be tomorrow, I am anything when I'm high


Nunca a denominei neste caderno, até hoje não consegui arranjar uma palavra que a vestisse, para ela não

consigo...

Tem ficado solta pelas páginas, nomeio-a para mim nas entrelinhas, e não há um nome criado para que Adão a

possa convocar à reunião baptismal e Deus a reconheça.

E, já que falamos de senhoritas, sonhei com a rapariga-que-tem-nome numa destas manhãs de fim-de-semana.

Ela conduzia e eu estava com ela, num carro incógnito, na estrada secundaria que fica por baixo daquela árvore

impossível que não vou nomear.

Engraçado esse sítio porque ela não lhe pertence, nem o conhece mas eu sei-o de cor.

Já parti a cadência do que aconteceu mas ainda vejo o ramo de flores que colhi para ela e que ficou esquecido

na berma da estrada, no meio da erva.

Lembro-me bem delas, açucenas cor-de-rosa e lilás pálido, talvez, mas o róseo abonava o bouquet, eram para ela e faz todo o sentido que pode fazer.

Rosa cai-lhe bem no colo, confunde-se com a sua compleição eterna de mulher em todas as vidas:


Bela e orvalhada.


Acordei com a certeza de que estive apaixonada e ainda continuo nesta coisa de arrebatada e ávida por si, dona. 

 

 

publicado por Ligeia Noire às 12:01

04
Jul 12


Ninguém tira o pecado do mundo.

Ontem, ao finalmente terminar de ler O Castelo de Otranto, senti-me como a Hipólita, uma idiota que se conforma com a idiotia que lhe puserem no prato porque gosta da onda de prazer que lhe advém da martirização.

-Minha cara, acho por bem fatiarmos-lhe os dois braços porque Looks like it's gonna be another one of those rainy days again...

E, sem gastar a balança ou lhe usar os pratos já sabe de antemão que o melhor é conformar-se.

Sem meter pés ao caminho, já lhe fareja a inutilidade.

Há um esconderijo muito escondido cá dentro e enquanto o mantiver jamais conseguirei sentir-me toda limpa.

Não estava à espera desta carta, palavras desenhadas como as desenharia o Cavaleiro-das-Terras-Brancas que o cavalheiro é.

Todavia, enquanto os meus olhos ainda ensonados iam descendo pelas linhas ornadas de traços fortes e precisos via-me virgem casta cada vez mais elevada, tão elevada me mantém, que acho nem ele mesmo me conseguir tocar.

Não gosto, eu não fico bem de branco, nem de diadema mas partilho-te das saudades, meu querido.

Ainda não consegui perceber qual de mim vê ele…

Tenho por certo, que nenhuma das quatro merece tamanhos e tão longos afectos.

Ah, é verdade, a flor-selvagem secou.

Sempre soube que o que lhe devotava era uma forçada vontade de me ver enamorada e, não fui assim tão desventurada, consegui uma paixão menina na sua orla mas bravia no miolo.

Tomei-lhe a boca e o corpo e as mãos nas pálpebras, desenhei mesuras e sofrimentos, enlacei-lhe fitas rosa nos pulsos.

Foram demasiados anos de inutilidades pequenas e beijos sôfregos.

Chorei-lhe algumas lágrimas, minto, muitas.

Era necessário que toda eu me acreditasse na devoção que pensei conseguir cultivar, para que ao estádio de fruto chegasse mas dou-me conta de que o caixão onde me acho continua com espaço apenas para mim e para o meu cabelo enlaçado.

Ainda há duas ou três contas de rosário negro de vidro para desfiar mas preciso voltar para dormir.

For in the back of my mind I always thought I'd find my way to paradise

publicado por Ligeia Noire às 12:38

08
Mai 12


Não tens o que é preciso para que eu te sirva de tapeçaria ornamentada, se pensas que vou percorrer todo o círculo novamente e, em tom elegíaco cantar a minha morte certeira, enrola-te em teias de aranha e sê deglutido pela Rainha-mãe.

De joelhos, a escavar por entre a lama e o musgo, enquanto pego pelo abdómen de vermes que guardo no bolso, podes bem morrer sentado.

Sabes, fiz uma descoberta achocolatada hoje e sinto-me contente.

É, industrialmente melhor, odiar do que amar, ambos necessitam de violência, ímpeto e intensidade mas o primeiro estado é bem mais estimulante.

Engraçado, estive a ver mais um episódio da série «Sobrenatural» onde a minha personagem favorita disse de levezinho, como se fosse facilmente reconhecível por todos, como vivemos num universo "triste" que foi desenhado para criar conflito.

Isto é, por que deveria eu progredir graças ao teu fracasso?

Mas estas são as regras.

As coisas simples, a verdade.

Desci para lá do subsolo, a eterna caída mas não vou descrever-te como resvalei pelas paredes musgosas.

Há quem se venha com descrições semelhantes e eu não procuro o grotesco, acontece-me gostar de alguns dos fios que o tecem, não por mero jogo de menina aborrecida mas porque daí nasci e dele partilho.

Há tanto que ninguém sabe, só o Supremo, porque vê sem falar.

Tenho vergonha que o tenha visto mas ninguém o manda ter olhos sem pálpebras.

Foi preciso degustar o pó para perceber que quem manda aqui sou eu, quis forçar-me ao enamoramento, estava tão deslumbrada pela adrenalina de saber como é, que não quis reconhecer a minha incompetência em atingir tal estado.

Tenho pena mas a caixinha em que vim era aguda.

Conheci o avesso das sensações de uma maneira sórdida.

Aproximo-me de ti sempre, não consigo, aí admito a minha culpa, a minha miséria, a minha humilhação, como disse noutra folha branca, eu vejo-me a fazê-lo e não consigo parar, maquiavelicamente não me quero parar.

Tens rebuçados de que eu também preciso, vício, vício, vício nauseoso.

Gosto muito de mim com os olhos raiados, gosto muito de mim cheia de seiva cáustica, gosto muito de mim assim porque, quando assim estou, o meu dorso torna-se impenetrável e rebentam-me espinhos primaveris.

E, hoje, não quero usar o teu nome, sinto-lhe asco.

Nunca te fui boneca sem o querer primeiro, a batalha nunca foi entre nós os dois, foi sempre entre mim e mim.

A única coisa que ressinto, deveras, é saber que pensas que te amo quanto apenas te careço, como de um ingrediente.

Sou sempre eu e a minha filha negra mas isso não to posso revelar porque deixarias de deixar que te atasse os cordéis.

E agradeço ao maldito por me ajudar a conspurcar-me e a saber usar as larvas para me suster neste mundo pútrido.

Afinal de contas somos os filhos de Caim.

publicado por Ligeia Noire às 13:43

05
Mai 12

 

I  

As coisas não têm estado fáceis, acho que se coadunam com o tempo.

No entanto, devo confessar que gosto deste Maio agreste.

Há bocado, preferi nem abrir o guarda-chuva e comecei a rir, já devo ter chegado à casa da insanidade.

Gosto mesmo muito quando está de noite e a chuva bate na janela e o vento sopra e sei que lá fora está muito escuro e que há reis e rainhas, cavalos, esquilos, gatos a espreitarem em cada esquina.

Ok, chega de tolices…   

II

 

Já muitas vezes o disse e se não fui explícita o suficiente, sê-lo-ei agora.

No outro dia, foi-me perguntado o que não gosto nas pessoas e o que não gosto nas pessoas é a pancada de bolacha-extra, detesto manias de essencialismo, detesto poleiros, aliás, sou incapaz de estar sentada numa esplanada, o que já de si é raro, se estiverem trolhas, carpinteiros ou demais obreiros nos seus postos, deve ser por toda a minha parte familiar masculina trabalhar nas obras ou, então, é porque não tenho qualidades de bolacha.

Bem, resumindo não tolero isso em ninguém, seja até em artistas que aprecie bastante, esses, que já em si mesmos vivem metidos.

Meus caros, achem-se superiores mas coloquem o manto e o ceptro longe, longe violeta.

Escumalha.

Odeio conspurcar com cisco alheio o meu caderno mas, às vezes, é necessário.

  

III


Descobri que tenho de me manter forte e amuralhada porque, às vezes, faço a diferença para os alguns que interessam, hoje fui a portadora de luz e fui feliz.

O que não torna as coisas mais simples, bem pelo contrário, as minhas costas dobram-se ainda mais mas se apenas as curvar no escuro do quarto, está tudo bem.

E tudo me corre como água de correr e não sei mais porque se mexem as minhas mãos, onde estou e porque estou, vou sem ir, vou sempre sem ir.

Nada me interessa?

 IV

 

E, por último, sim já sabia que ias dizer isso, agora já está.

É por seres feito de quitina, índole discreta, nocturna e fodida, é não é?

Mas escusas de descer a culpa porque quem começou foi ele, eu apenas lhe pedi que parasse.

Tenho todo o direito de me sentir estupefacta, então ele falou como se me tivesse visto ontem, como se a ponte nunca tivesse descido!

Foda-se e quando voltei a falar com ele, quando sabia que o ia fazer, foi quase como se me estivesse a ver de cima, assim à maneira da Camilla Gibb, como se me presenciasse a saltar a margem e a não fazer nada para o impedir.

Não sei se sou fraca, se abri precedentes, não posso dizer que não quero saber porque quero mas senti-me tabuleiro aberto em dia do Sétimo Selo.

V

 

E depois isto junta-se àquilo e fico assim, a dizer bons-dias quando o sol vai alto, acamado nalguma nuvem por onde perdi o sentido todo.

publicado por Ligeia Noire às 01:27

10
Abr 12


Não havia muito espaço na minha mochila e apenas coloquei a agenda e uma caneta, instintivamente.

Tenho de ter sempre um caderno comigo.

Sempre que escrevo em páginas brancas e transponho para aqui, nada mais sou que uma tradutora.

Há coisas que não se podem ver sem roupa.

Era de noite, não há data nem hora mas há muito sangue e preciso de o verter para que este caderno medicamentoso não fique partido.

Há uns meses, durante a noite, num quarto sacro e branco:

Nunca pensei que conseguisse fazer isto, estar tão perto de tudo e, todavia, o mais longe que poderia conseguir.

Seria suposto serem apenas os meus lábios a abrirem-se em sorrisos e não, verem-se fechados e humedecidos, por gotejamentos em torrentes cálidas.

Acho que mais uma vez preferi enganar-me a suportar o insuportável, pensei ainda existir alguém que me conhecesse.

Estou sozinha, estive sozinha desde que me lembro de estar encostada ao muro no pátio da escola primária enquanto que, uma matulona, agreste e feia… (falha de tradução).

E dizia alto e a rir que...

Acho que nunca tive tanta consciência de estar sozinha como hoje.

Não é aquela solidão de que gosto, refiro-me à velha solidão de entendimento.

A solidão de saber que ninguém existe, ninguém me sabe e abrir os olhos para isto e matar a esperança é indescritível.

Estou rodeada de estrangeiros para quem o português é língua intransponível.

Estou no quarto de... (falha de tradução) apenas um andar, coisas que se esperavam, coisas que chegaram e que agora se espalham, como vidro esmigalhado e isso faz-me ter pena de mim.

Faz-me ter pena da rapariga pequena e cheia de retalhos que pensava que quando crescesse iria ser alguém e conseguir dar (falha de tradução) e isso… ninguém sabe.

Estou neste quarto e sinto pena de mim, estou neste quarto e a ela e à amizade que lhe sinto... não sei, perco-me toda.

Tudo isto foi perdido nos ontens que só podem ser ontens e que jamais sairão de ontem.

E, penso na flor-selvagem, também, e penso que há um ano lhe disse que tinha saudades e pensei e depositei e esperei que fosse ele, o alguém aonde os meus olhos fossem desaguar, era a esperança Supremo, era essa que me tinha à espera.

Ele disse que estava comigo, que gostava muito que… mas eu tive medo e hoje são tudo rosas esfaceladas, as rosas da rainha Isabel que aqui nunca chegaram a ser pão.

E fui eu Supremo, fui eu que não quis repetir, fui eu que saí, fui eu que fugi e me escondi debaixo de pedregulhos musgosos.

Jamais pensei ter coragem para fazer o que fiz, jamais sonhei que a minha força de vontade fosse tamanha, não porque o ame mas porque era ele a minha última corda para saltar, a última esperança de me ver derrotada.

Tudo se acabou em manhãs de dias de nevoeiro e, hoje, estou aqui, neste quarto, à espera dela e da anestesia para poder descansar um pouco de todas estas pequenas agulhas que me cobrem as costas.

Debaixo dos meus olhos toda a paisagem é triste, silenciosa e impossível.


publicado por Ligeia Noire às 14:02

18
Mar 12

 

 I

 

 

Numa Sexta pequenina

 

Ainda me dói a cabeça, ainda me doem as costas, já é Sexta-Feira.

Já estamos no mês de Março e respondo ao Cavaleiro-das-Terras-Brancas que o tempo passa cada vez mais depressa.

Houve um dia, há um ano, em que estava à espera do autocarro por entre o sol e o céu azul e chega à paragem uma rapariga alta de cabelos fartos, encaracolados e louros, louros.

Tinha umas pernas longas e um porte atlético, deduzi que fosse nórdica.

Um ano depois, vi-a na sala, ri.

Vou observando os seus movimentos e a forma como abre em sorrisos os olhos, afinal não é nórdica.

Hoje, falámos um pouco e, enquanto a ouvia, fui-me dando conta da ironia do destino, ali, as duas sozinhas e não poderíamos ser mais díspares.

Ela é tão delicada, natural, limpa e bonita.

É isso, limpa, limpa, limpa, forte e optimista e limpa.

Ela é a aurora nas suas vestes claras e no seu cabelo de espigas.

Quer conhecer muitas coisas e conhece muitas coisas, nos seus olhos não se vê o medo, só a vontade.

Estou triste.

     II

 

Écailles de Lune part 2

    

Esta canção é desconcertante, desconcertante ao cubo.

Quando confrontado com uma crítica a um dos seus álbuns, o senhor que criou a entidade Alcest, decidiu responder.

O escriba dizia que as canções eram lúgubres, tristes e cheias de noite, mais ou menos isto, o músico ficou muito admirado, não percebia como as composições chegavam tão distorcidas a ouvidos alheios, aquilo era exactamente o oposto do que ele queria transmitir.

Quando petiz, esteve em contacto com uma espécie de Souvenirs d'un autre monde e, esse outro mundo, era-lhe tão confortável, tão puro e tão belo que se apaixonou por ele.

A dita paixão foi tão forte que o fez criar o conceito acima mencionado na tentativa de traduzir e perpetuar o que tinha presenciado.

Uma espécie de Mãe-Terra, um universo de verde líquido vestido que acolhesse os que fossem capazes de abrir os ouvidos e os olhos de dentro.

Eu consigo compreender os dois pontos de vista, percebo o que o Neige diz, consigo aperceber-me dessa dimensão maternal e cristalina nas canções mas também entendo o que os escribas vão apontando, a melancolia e a tristeza que fica.

Eu sei que não era para ficarmos tristes e alagados mas o que acontece, pelo menos comigo, é que esse teu mundo é tão desoladoramente belo, cheio de pequenas plantas e férteis arbustos, tão desaparelhado deste que, embora seja demasiadamente sublime, fere-nos o peito por sabermos ser impossível de alcançar ou, pelo menos, de ficar mais um pouco dentro deste.

Deixa uma espécie de acre nos lábios, quando ligamos o interruptor cromado da lâmpada led e abrimos a janela.

 

III

    

Écailles de Lune part 1

 

Acordei com o senhor da rádio a falar de uma Laura, tenho de trabalhar, tenho de ligar o interruptor branco da luz que cresce com o tempo.

Não ia falar de ti, pelo menos não anteontem mas acontece que sonhei contigo e não é algo que costume suceder muitas vezes.

Acho estranho, és (foste?) tão presente na minha vida e acho que te encontrei por terras oníricas umas... duas ou três vezes.

Hoje sonhei contigo mas não me lembro de mais nada, só daquela avenida estendida ao sol e cheia de demasiadas pessoas.

Será que descobriste que estive nesse mesmo sítio há tão pouco tempo?

É que ando a perguntar-me como se me adensaram os punhos de calcário para não compor palavras e to comunicar nessa altura.

Confesso que me deu um gozo levezinho andar por aí, rir-me por aí e fugir-te ao sol e fazer-te saber quando já estava segura por entre a luz da lua e em terrenos bem mais concentrados e arborizados.

Ainda, há dias, escrevia se não será isto um desperdício de tempo, pele e boca mas, mas, mas, não, não é, não é, não pode ser.

Ah! Perco-me do sentido do que fazia sentido.

Enquanto vinha para casa, e o senhor acima cantava as terras que são só dele, pensava no quão estranhamente inconveniente é reconhecer que és apenas tu, o sabedor do meu mais largo segredo, tu que nem sequer sabes exactamente de onde sou, ou o que faço, sabes deste laço branco atado e também da minha pele, da minha boca, dos meus cabelos, das minhas unhas, dos meus olhos abertos para onde quase saltaste e do laço branco bem atado, como é que isto é possível?

Que idiotia… todas estas coisas a encastelarem-se dentro da minha cabeça e a não me deixarem ver em condições.

Não entendo, não entendo Supremo mas por que raio isto começa a gatinhar ali ao fundo, se planeámos acabar com as noites desenhadas e voltar para dentro da linha vermelha?

E agora deixas que estas palavras, feitas imagens, atormentem todos os cantos da minha cabeça.

Eu detesto-o.

publicado por Ligeia Noire às 12:51

08
Mar 12


Ontem, na minha correria para o átrio a que uma amiga chamou das andanças do Robin dos Bancos, reparei por entre as japoneiras num rapaz que me parecia o ruivo, sim esse mesmo, as mesmas vestes cinzentas, e o mesmo capuz, estava de costas mas aqueles passos pesados e indiferentes… talvez não fosse, talvez não fosse.

Tenho-lhe muitas saudades, foi um dos que mais me fez esticar a corda e o mais carregado de acasos e, claro, o que melhor me perfez o Frankenstein.

Hoje, pelo caminho, reparei num quadro vivo na esplanada de um café onde a catraiada da escola básica gosta de palrar.

Numa mesa amarela, com cadeiras amarelas, estava uma senhora ou seria senhorita?

Não sei, a aproveitar o céu azul e o sol outonal.

Lembrei-me do Mário de Sá-Carneiro…

A mulher dominava o cenário de preto acutilante vestida, de saltos que tocavam o céu, espraiava-se inteira numa esplanada deserta.

Não se movia, não tinha o olhar num outro mundo, como costuma suceder às raras figuras que me prendem os olhos mas tinha-o ali, presente mas no cimo de uma montanha, um olhar feito de adagas de gelo.

Gosto deste meu passatempo, mais do que enrolar os cabelos nas pontas dos dedos mas menos que raptar flores, gosto demasiado de observar e, às vezes, acontecem estes quadros bonitos, de pessoas que tingem o círculo da imobilidade.

Bem, mas vamos aos assuntos pequeninos. 

 

Don’t run from me, I won’t bother counting one, two, three

 

Uma das coisas em que descobri estar errada, é no cansaço a que me permito em relação a determinar pessoas, apercebo-me de três ou quatro traços e não me amolo mais em pô-las à prova.

Ora bem, que dizer, quando brincava em desatar ou não os laços...

Hoje reparo que fiz bem em mantê-los atados. 

Já não me impressionas, afinal não és tão alto como julgas.

E tu, bem, tu nunca chegaste a ser considerada, enfastiaste-me antes disso, ao contrário do primeiro exemplo, tu quiseste subir à pressa, desleixadamente.

De ti, não foi preciso recuar, sempre estive sentada na sacada.

Enquanto lavava uma camisa branca e estroinava os ossos ao som da voz do maldito, reparei que as coisas pequenas são mesmo isso, pequenas.

E a ti, será que ainda faz sentido colocar-te num assunto dos grandes?

 

I’m weak, seven days a week

 

Yeah babe, é desta forma que sou fraca, de neve enrolada e de olhos escancarados e pálpebras fechadas, esperavas que me lançasse e amenizasse, era assim que me querias?

Foi por isso que me bateste à porta, três vezes?

Será por ser esse, o número perfeito?

Pena que o meu sempre tenha sido o sete.

É isso, percebeste bem, minha pungente flor-selvagem, vai batendo, bate durante a noite e de preferência à hora das bruxas.

Não, não vou abrir mas sabes o que me apetecia, assim, mesmo muito?

Sabes aquele castiçal de velas velhas?

Pois, esse mesmo.

Não achas que ficaria encantador no parapeito da janela, pois, eu também acho mas claro, as cortinas teriam de ficar bastante afastadas, não queremos um incêndio (alheio), certo?

As janelas brancas da casa de pedra, bem trancadas, a porta com a aldrava e os fósforos que sobraram do Inverno serviriam para iluminar de vermelho este velho castiçal e, como eu me deito tarde e as noites vão azuladas, nada melhor do que contemplar a mãe-lua e deixá-la trespassar-me o corpo.

Acetinar a pele traz-me sono.

Pois, se calhar até adormeço de cortinas abertas, está uma noite tão deliciosa, não te parece?

publicado por Ligeia Noire às 20:40

28
Fev 12


Ora bem, pareceu-me ser responsabilidade minha deixar-te secar.

Pareceu-me ser da minha responsabilidade sair do tabuleiro.

Depois de tanto e de tudo descer, ir embora, assim, tão facilmente, pareceu-me absurdo.

Um dia, bem cedo, levantei-me, arranquei a raiz das minhas terras e, sobriamente, saltei para a outra margem, puxei o capuz, atei os cordões e abri caminho.

Bonito e simples.

Aprendi que da gaveta saías com facilidade.

Reparei que a superfície onde dançava era minha e que apenas tinha de a tornar mais estreita e escura.

Portanto, flor-selvagem, não faças isso, não.

Apesar de toda a facilidade com que cheguei a esta conclusão, foi preciso trilhar um caminho bastante esburacado para a conseguir agarrar com as duas mãos e sem unhas.

De todas as vezes que quis saltar, de todas as vezes que quis deixar de te regar, tu voltavas sempre e escacavas o vaso recém-colado.

Percebi que era eu quem devia jogar primeiro, percebi que o canteiro era meu.

É a última casa na floresta, talvez a encontres porque recordas o perfume ou talvez porque talhaste a madeira de que é feita mas, não batas à porta, não batas, tenho o sono tão leve... é tão pequenino e indomado este meu sono.

Demasiado leve, meu amor, demasiado leve, ao contrário do meu coração, esse é pesado e bolorento como um cogumelo dos sapos e não se coaduna com urze de meia-noite.

Vai embora, as noites ainda estão frias, leva uma vela para te alumiar os carreiros e espero que chegues a casa, um dia.

Com amor:  

Dama de paus 

publicado por Ligeia Noire às 22:55

21
Fev 12


Se há algo que me embala e me descansa, é o simples acto de escovar o cabelo quando está meio húmido e enrolá-lo com as pontas dos dedos.

Ontem, estava numa instituição bancária e sentei-me à beira duma senhora que me perguntou, se já estava na vez dela, disse-lhe que não e ela encetou conversa.

-Fica-lhe muito bem esse penteado, a senhora tem rosto para isso, eu já não posso usar.

-Envelhecemos todos, não é?

-É verdade… já estou quase nos oitenta.

-E deixe que lhe diga que está muito bem.

-Ah e esse vestido cai-lhe muito bem, é muito bonito. Sabe, sempre me disseram que, uma mulher que se arranja, ganha o respeito e admiração dos outros. Hoje em dia a juventude já não leva isso a sério.

-Outros tempos, não é?

-Mas não é viúva é? Gosta de cores escuras, pois.

-É isso. Olhe, chegou a minha vez.

-Adeus, tudo de bom para si, muita felicidade e sorte.

O receio de envelhecer... sempre lhe escapei pensando que morreria antes de lá chegar.

Achas que estive a desperdiçar a vida, o tempo, a pele, os lábios?

Estive a pensar na flor-selvagem, fui mais forte que a vontade e fico feliz por isso.

Apesar de me ter estendido as pétalas, as minhas mãos ficaram guardadas nos bolsos e fechei-o na gaveta.

Talvez noutros receptáculos possamos prosseguir a tingir copos de cristal.

E, mais uma vez, concluo que ninguém pode ser-se em conjunto.

A individualidade e a personalidade são sempre decepadas quando andamos a quatro pés.

O meu cabelo ainda traz o odor de cascas e mel.

Se calhar, Supremo, se calhar era esta a conclusão a que querias que chegasse.

Que posso brincar, abrir os laços, rodopiar em valsas continuadas, enregelar as costas contra paredes marmóreas em embates suculentos de violência mas, não a andar a quatro pés mas, não a ser-me frente a outro par de olhos mas, não a deixar-me desvelar por tempos indeterminados.

Tudo se torna imperfeito na continuidade, tudo se danifica na cadência de dias claros.

Os extremos não podem ser vividos, senão, em golfadas e, eu quero o derradeiro e, o derradeiro é momentâneo como o desabrochar de uma rosa, uma rosa de vida curta mas imensa porque da finitude nasce-lhe a perfeição.

Sou assim, demasiado minha.

Lembro-me de te ter desafiado a provar-me o oposto mas acho que desta vez quem ganha sou eu.

Esta vitória nasceu-me no berço.

publicado por Ligeia Noire às 22:38

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