“We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting”.

20
Ago 15

Não é que eu quisesse escrever porque há muito perdi essa vontade mas vou embora e queria dar uma espécie de fecho neste caderno.

 A minha vida mudou muito desde a última vez que aqui escrevi, fui operada, acabei com o russo, vou casar com um baterista, ocultista americano, fui a Paris, detestei andar de avião, o meu cabelo cresceu mais, sexta-feira vou buscar o vestido vermelho de dama-de-honor que mandei cortar para o comprimento que sempre deveria ter tido. O meu aniversário está quase aí, continuei a trabalhar no hotel e entre dores de costas e peripécias lá me rendeu uns cêntimos para poder ter tratado de toda a papelada do visto, de um vestido para o dia 31 de outubro que espero estar disponível para marcar o enlace e para os sapatos tipo anos vinte que sempre quis. Ainda não sei se leve o cabelo preso ou solto mas provavelmente irá preso para deixar à mostra a renda branca, sim só a gola, todo o resto é negro como seria de esperar.

Estava a pensar em começar esta última página pelo facto de nunca ter tido muita sorte com as amizades, ou eu deixo de aparecer ou são eles que são estabalhoados e faltam ao prometido. Hoje era suposto ter um último encontro antes da viagem, com as minhas amigas dos tempos do curso de TPI mas à semelhança do ano passado, desculpa de útima hora e não podem aparecer e combinam uma remarcação a que eu não acedi porque não gosto de segundas opções e, assim, o destino me faz esta inesperada visita que me recordou como as amizades sempre foram atribuladas, principalmente com as raparigas, os meus melhores amigos têm sido homens e ficam na sua e só aparecem quando devem aparecer e isso é bom.

O Cavaleiro-das-terras brancas ligou-me depois de meses sem conversarmos, a última vez teve-me aos prantos no telemóvel a dizer quão horrível eu era por ter feito o que estava a fazer. Todavia, como cavaleiro que é, perdoou e uma ou duas vezes por ano liga-me e trata-me como se nunca tivéssemos tomado rumos diferentes. Não tive coragem de lhe dizer que vou casar, quando me perguntou se havia algo de novo eu lembrei-me do que ele disse “não fiques assim, eu já esperava, mas o futuro é uma incógnita, logo que não cases, há sempre esperança” e sorrimos.

Disse-lhe que escreveria mas não sei se o farei daqui, se calhar quando já estiver lá... contar-lhe-ei tudo, somos amigos mas fomos amantes e tenho-lhe um afecto especial.

No dia 28 de Agosto vou poder estar presente num concerto dos WovenHand com a Chelsea Wolfe, ela não me interessa muito, apesar do hype mas o grande e intenso Eugene Edwards será um privilégio, é o meu presente de aniversário por parte do Homem por quem me apaixonei.

Estou com medo, ansiedade desmedida e incerteza do que está por vir, pela viagem e pelas saudades dos meus gatos, dos meus pais e dos meus irmãos mas o que tem de ser, tem de ser.

E assim será, deseja-me sorte Supremo.

 

Um beijo desta, que aqui sempre te confidenciou a alma e que, quem sabe, um dia o voltará a fazer.

 

Até sempre!

publicado por Ligeia Noire às 18:43
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01
Nov 14

 

Ligeia sou eu e ela.

 

Edgar Allan Poe, não é novidade alguma que é um dos meus escritores preferidos, logo, qualquer filme inspirado nalgum dos seus escritos me passa pelas vistas. Então quando me veio parar às mãos o The Tomb a.k.a. Edgar Allan Poe’s Ligeia salivei só de pensar na noite que se avizinhava, isto em 2009, Ligeia é a minha estória preferida de Poe e de todos. O filme não é grande coisa, cheio de lugares comuns, interpretações desinspiradas e um argumento cheio de frases feitas e que se perde pelo caminho mas mas mas e mas porque há sempre um mas, obcequei-me pelo filme… sabes quando há algo no qual vês potencial e então devotas-lhe condescendência e ficas ali a ver tudo o que poderia ter sido?

Claro que o filme é apenas levemente inspirado no conto, assim como já o do Roger Corman em 1964 o tinha sido mas a premissa era boa, os protagonistas eram carismáticos mas faltava um argumento de jeito, conhecimento de causa e calo. Existiam cenários brilhantes, uma bailarina russa que em tudo encarnava a nossa bela sirena, testa alta, esbelta, a leveza e o andamento sorrateiro de um gato que o ballet lhe forneceu ao corpo, cabelos longos e fartos, não negros, não de azeviche mas belos.

Cheguei ao contacto com a actriz por estar muito indignada com o facto de terem referido no filme que Ligeia era um nome de origem russa, quando é grega a sua proveniência e ela respondeu. Respondeu dizendo que sabia mas que não podia fazer nada.

A estória revolve em torno de um professor universitário que nas suas várias palestras sobre o ocultismo repara numa mulher que está sempre presente. Essa mulher é uma estudante de nome Ligeia que viu a sua mãe morrer há muitos anos e no seu leito de morte, esta passou-lhe o desejo de descobrir a cura para a morte através do aprisionamento de almas humanas.

Ligeia estuda religião e misticismo e procura incessantemente por resolver o que falha quando tenta sugar as almas do último suspiro das suas presas. A história não tem nada que ver com a do Poe mas nem tem de ter, apenas lamento ter caído no bacoco triângulo amoroso, na femme fatale e num final previsível e enfadonho. Com um protagonista aborrecido e com olhar sedado durante todo o filme e um argumento que se perde a si mesmo, não há muito o que fazer. Talvez apenas o momento em que ele visita Ligeia e bebem absinto juntos… talvez aí se tenham salvado uns dois cêntimos do tesouro.

Ouvi dizer que o filme era do mesmo realizador do do corvo mas não tem de perto nem de longe o mesmo misticismo e olha que o corvo tinha um argumento e premissas bem simplistas mas lá deu frutos.

 

Julho, 2014

 

 

Da Finlândia ao Mundo

 

A primeira vez que venho aqui escrever depois de tanto tempo, não me apeteceu dizer nada porque nada havia para ser dito.

No entanto, andava por aqui um certo incómodo, uma necessidade de beijar e modelar palavras. O que me fez pensar no quanto da minha escrita é necessidade…

Mas para lá com as indagações, dói-me a cabeça e, apesar de ter andado a ouvir coisas tão díspares por estes dias e semanas, o que toca agora e desde ontem é o Colours in the dark da Tarja.

Não me sai da cabeça aquela imagem aquando da 500 letters, precisamente na parte em que ela canta: “Why do you want to hurt me?”. Quando bate com o salto umas três vezes no chão.

A Finlândia faz parte dos meus amores de sempre e para sempre.

Não sei bem se começou com os H.I.M., talvez tivesse começado antes mas sei que, ao contrário da Rússia, foi a música que a trouxe até mim e não havia nada para não gostar.

Desde os abetos, das bétulas, do sol-da-meia-noite, da neve ao épico Calévala, a toda a correnteza de música divina que lá nasce, que lhes corre nas veias.

Não há apreciador de metal que não respeite e namore o mistério da terra dos mil lagos.

Tentei aprender Suómi, língua de casos, e como tanta coisa, ficou por aí num caderno vermelho à espera que volte a nascer em mim a paciência, a disciplina e o tempo.

Acima de tudo, há um fascínio assombroso pelo longínquo, pelo frio, pela neve, pelo raro e pelo misterioso.

É romantismo sim, o mesmo fascínio que os povos sul-americanos, africanos, os chineses ofereciam aos olhos dos românticos do século dezoito, o exótico.

Não é que seja pelos músicos mas porque eles são, para além de música, formas de compreender o país e de saber mais sobre ele.

Mas depois percebo o apelo da decadência francesa e das suas catedrais góticas, da misantropia norueguesa, do cinema sueco, da batcave inglesa, dos celtas e do folclore escocês, da rebeldia irlandesa, ai e o cinema, o cinema sim. A Irlanda talvez se tivesse despertado em mim depois de todo o aborrecimento nas aulas de literatura, mais tarde fui procurar tudo o que faltava, porque o que sabia eu na realidade?

O IRA, o Oscar Wilde, o Stoker?

Depois, veio o teatro, as batatas, a fome, a metáfora do mar, os rituais e a música e que música…

Curiosamente, depois de começar a namorar com o Cavaleiro-das-terras-brancas é que comecei o meu apaziguamento com os Estados Unidos da América…

O paradoxo!

Eu era daquelas que dizia não ter nenhuma vontade de provar, conhecer, ou de saber a terra, o ar, os bichos de tão arrogante e sufocadora nação. E foi preciso um russo para me apaziguar com os yankees.

Havia desprezo e ignorância em mim, a mesma ignorância que me levou a insultar o Camões, até estudar o Renascimento, o Petrarca e o Sá de Miranda.

Somos tão mesquinhos na nossa ignorância.

Talvez literatura e línguas tenha sido a área certa, gostava de ter tido mais sal no sangue para me ter dedicado a sério.

Eu vejo, admiro, degluto os aromas, as letras, a poesia, os quadros, a música, a História, o folclore, a mitologia mas depois não sei.

Tentei aprender francês sozinha mas depois tinha de trabalhar, de fazer camas e carregar sacos, de varrer e estender roupa e depois havia a saúde que me preocupava e fui-me esquecendo e tudo ficou arrumado como cartas de amantes em caixas de madeira.

 

Julho, 2014

 

 

Masonic Youth: “O Caos é uma ordem por decifrar”

 

Ouvindo o novo dos Wovenhand e pensado quão maravilhosa será esta edição do Amplifest, com os intemporais Swans, que vou começar a desbravar, a deliciosa Pharmakon, que anseia por calor num mundo maquinal de que ela se serve, e o celestial Eugene na sua roupagem Wovenhand. Soube que já andava p’ra aí um álbum novo e eu que ainda não absorvi o último... Todo o brilhantismo da mistura da folk americana das montanhas, do post punk inglês com aquele toque ritualístico e até psicadélico que só se encontra ali e ali somente.

Quero um dia poder falar da obra de arte que é o filme de Jim Jarmush, Only Lovers Left Alive, ele disse que éramos nós ali, escarrapachados e somo-lo e somo-lo tanto que assusta.

Leio o Homem Duplicado de Saramago e penso.

Como cresceram e me desiludiram a maior parte dos amigos muito amigos, como não tenho amigos agora que queira e como me sinto segura e crescida com olhos que me protegem.

Sempre soube que todos os que não mereciam ou mereciam mas eu não o considerei, conseguiriam um lugar ao sol e eu seria a indigente do costume. Não venho reformular nada, apenas confirmar o seu caminho em direcção à terra prometida e com ares de escolhidos pelo altíssimo, qual Israel em dia de Julgamento Final.

Comprei um vestido de renda, negritude e flores, pareço eu em gomos irascíveis de Primavera, é para ele, para o reencontro depois de séculos de desencontros e ocupação em prazeres mundanos.

 

Julho, 2014

 

 

I’m your little scarlet, Starlet.

Singing in the garden, kiss me on my open mouth.

 

O Cavaleiro-das-Terras-Brancas ligou-me ontem.

Passaram-se meses e meses e continua enamorado, leal, doce, músico suave.

Disse-me um poema, confesso que não sei de quem ou que dizia, estava tão surpresa que as palavras eram apenas sons. Fiz mais uma vez anos e, de todos, ele foi o que mais me surpreendeu.

 

Agosto, 2014

 

 

Mother and the enemy

 

Tenho tantos discos para ouvir e tantos livros para ler, tantas tranças para fazer, amigos para sossegar, o vestido vermelho para remodelar, coisas, sabes, coisas…

Mas o que faço são retalhos de contorno, retalhos de entretimento enquanto espero que o sol maior chegue e a minha vida se espraie toda, se desabroche e nunca amanheça.

Oiço Mother and the Enemy dos Lux Occulta banda polaca que me suscitou a curiosidade depois de por acaso lhes descobrir o último álbum: Kolysanki.

Já tentei vir aqui e escrever umas linhas mas paro sempre e depois volto e paro outra vez, não é que não queira conversar contigo Supremo mas não sei por onde começar porque não há o que começar, não há tormentas, estou em paz e o que me atormentava não tem agora poder algum.

 

Setembro, 2014

 

 

Dia dos mortos

 

Tenho tentado escrever, tenho vindo aqui, tenho escrito e depois guardo. Não sei se é porque não consigo terminar o que escrevo, se é porque sinto que nem sequer comecei.

Oiço Culto of Luna, o Vertikal e sinto-me cheia de força, aliás, já nada me mete medo, apenas me preocupo com a saúde, todo o resto se tiver de ser será e pronto.

Há muito tempo que aprendi a viver um dia de cada vez, como os bêbados em recuperação.

Vou casar, ah rio e sei que ris comigo e rimos ambos e tu daí lanças-me esse teu olhar docinho de soslaio e eu desfaço as tranças e salto de nenúfar em nenúfar e não quero saber e realmente não quero mesmo saber.

Só falta esperar e eu espero.

Voltando ao plano dos mortais, não sei de mais nada, dos amigos nem sombras, também, se queres saber, pouco me importa, queixam-se, desabafam, viram-se do avesso, criticam-se, um enfado terrível! Talvez já não goste de nenhum deles porque deixei andar e não me importei, nem me importo e quando voltam… apenas me enfadam mais.

Serei crua, talvez, mas não me importo.

Tudo talvez se resumirá ao: “quando estive não estavam”, quando estavam… não estavam na mesma ou ao  facto de sempre ter sido um lobo solitário, gosto de estar sozinha; como dizia o Bukowski:

 I am the best form of entertainment I have! Let's drink more wine.

 Às vezes, a gente percebe que isto é tudo uma troca de favores, um comércio de necessidades e depois a gente abre a pestana e manda foder tudo e sente a leveza a coçar-nos as asas e ah! É bom sentirmo-nos solitários e feitos de aço, além camarada que a gente vê terra lá ao fundo!

E acabando com a melhor banda do mundo,

All is quiet, the city sleeps…

 

 

publicado por Ligeia Noire às 00:29
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13
Out 13


Quando me levantei, olhei para as rosas e pensei em pegar numa, mas deixei-as quietinhas. Não são as minhas rosas, não têm perfume e enfeitam a mesa de um casamento, a mesa de um casamento numa quinta no meio de árvores, rosas centradas numa toalha negra com debruados prateados, onde um castiçal de pé alto segura velas que se extinguiram quando a noite se fez.

Ao meu lado estava a rapariga de cintura fina que se vestiu no carro quando me veio buscar e, ao lado dela, o nosso militar preferido e depois eram pessoas estranhas.

Não sei bem como estava, sei que a conversa foi agradável e risonha, falámos desde os nossos dias no curso, dos jogos ocultos que encetávamos, da corrupção, da vida lá fora, do preço do arroz, da recruta, do Shining, filmes sem sangue e tripas mas com espíritos, até às fotos feias que nos tiraram e às fotos bonitas que tirámos com a rosa entre nós.

Dançámos os três mas dançámos mais as duas.

A certa altura, já no jardim sentada, coloquei o copo de champanhe na beira da janela e não me levantei para admirar os morteiros que iam iluminando o céu escuro da floresta que albergava tantos movimentos escritos e coordenados.

Puxei o fio da memória, uma memória recente, memória de horas anteriores:

«então, a próxima vez que nos encontrarmos vai ser no teu casamento...

-Eu não quero casar.

-Dizes isso porque não estas apaixonada.

-Estou apaixonada e continuo a não querer casar. Sabem, na verdade, não queria nem ter de viver com alguém…»

Quando era mais nova nunca me vi casada ou com filhos, sempre me imaginei a viver sozinha, o meu paraíso, os meus discos, os meus filmes, o meu canto.

«Ai não, não. Sentir-te-ias sozinha e quando quisesses conversar?»

Eu sempre me senti sozinha, sempre me senti por desabafar e, mesmo quando o fazia e quando tentava mais a sério, nunca me entendiam os amigos, foi sempre a escrever que atingi o propósito que é tido nisto do desabafar, no haver de um confidente, talvez não saiba falar em condições, talvez não saibam ouvir em condições.

Não, não quero casar porque não quero partilhar algo tão íntimo como o meu amor, os meus beijos, as minhas palavras açucaradas com pessoas de olhos e câmaras fotográficas esfomeadas, não quero passos e gestos encenados, já sei tudo isso de cor e enjoa-me, compreendo mas não assino por baixo.

O mesmo sinto quando me passam o caderno de honra... nunca sei o que escrever, sei sempre que vou mentir, escrevi três linhas neste e ela reclama:

«no meu só escreveste felicidades, sinceramente...»

Nem sei que lhe respondi, acho que encolhi os ombros mas se lhe dissesse que não queria mentir, não a ela, não iria entender de qualquer das formas porque ela agora é casada e tem um cão e uma casa.

Não houve igreja, houve largada de pombos e discursos à-estado-de-rede-social, houve mais daquela música que detesto, vestidos demasiado curtos, compridos, justos, ondulantes, coloridos... houve isto e aquilo e ele brincava:

«no teu, teria de haver uma banda gótica a fazer-te a entrada» ela brincava também:

«já há gente a casar de negro», pensava eu: nem tu imaginas quantas e acho tudo muito bonito e criativo, como quando me mostram o álbum de fotos da família mas onde está aí a diferença?

Continuam a ser protocolares, para os outros, encenados, só muda a cor e a música e talvez eu não me aborrecesse tanto nesses, já não tenho vinte anos e a diferença reside noutro lado.

Ele ligou-me, fui para o fundo do salão, era tarde lá e ele bebia vodca à minha saúde, a minha boca sabia a Baileys, o meu corpo sabia ao aperto do enlace do espartilho.

Olhava para o tecto de madeira, para o bolo, para os noivos bonitos e felizes, felizes talvez da felicidade deles, daquelas pessoas, pessoas que seriam provavelmente tios e tias e avós e pais e coisas que tais e sabia que eu não saberia passar por aquilo, não sou anfitriã, odeio ser o alvo de olhares e expor a minha intimidade e aquilo que sinto aos outros porque conquistar, seduzir, charme são brincadeiras de menina mas o amor e a paixão são tão íntimos como o sutiã que não trazia, como o cinto de ligas que nos enlaça a cintura mas que é magia nossa, não sei, não sei, é um admirável mundo novo, terreno minado.

«-Quando mo apresentas? E ele quer casar um dia?

-Nem casar ou ter filhos.»

Talvez nem dormir comigo todos os dias, gosto que ele goste de quartos separados, de cedência a vontades... apenas.

Quartos a funcionarem como frigoríficos, abrem-se quando temos fome ou sede.

Gosto das nossas determinantes diferenças, da minha natureza de gata arredia e do galope do seu cavalo medieval, gosto que isso se transfigure em ideias de esterilidade e antipatia para com o mundo que nos rodeia.

Prossigo com medo e sensação de ameaça mas um destes dias alguém mais velho revelou algo muito sábio que eu ainda precisava aprender: há sempre uma parte de nós que tem de se guardar, de adormecer, de ceder, de ser deixada para trás quando nos apaixonamos. Dizia ela que, o dia mais triste da sua vida foi o dia em que conheceu o marido porque sabia que não daria de outra forma, que com aquele era a sério, era amor e o amor e a individualidade não se coadunam nunca.

Ainda me custa saber a certeza disso mas há o equilíbrio, é esse o segredo de tudo, uma boa canção tem de saber ser equilibrada em todos os seus braços.

Viemos embora tarde, fui falando trivialidades até chegar a casa e poder fechar os olhos, foi bonito, foi aborrecido, gargalhadas e análises deliciosas de três amigos sentados num sofá de jardim acantonado num passadiço, enquanto eles casavam.

Em cima da mesa tenho o leque de madeira, com um padrão de tulipas de um rosa arroxeado que ela trouxe de Havana e me ofereceu.

Não, não era capaz.

publicado por Ligeia Noire às 11:50
música: "Deliverance" de Tarja Turunen

26
Ago 13


Prima Stanza: scura

 

A última vez que aqui estive, sentada nas escadas da estação de camionagem, à espera de boleia, o sentimento era bem distinto.

Curioso, e ao mesmo tempo ridículo, como os meus dias de anos são sempre miseráveis, no entanto, acho que este bateu todos os recordes. Desde ter ido trabalhar, que por si só é razão suficiente para uma visita à casa amarela, até à dor de costas que amanhã prosseguirá, duplicada, porque é mais uma fornada que se avizinha.

Sim, sou uma espécie de escrava e isso deprime-me.

Enquanto espero, de vestido preto, meias até ao joelho e sabrinas e sentada nas escadas, de auscultadores a protegerem-me, pelo menos, os ouvidos, vai soando o novo dos Watain, ouço-o pela simples alusão que foi sendo feita em várias críticas aos meus Nefilins, em relação à canção: "They rode on".

E conto isto porque nunca os tinha ouvido antes, o que conheço deles é a imponência e a hegemonia do nome na cena e as entrevistas que o vocalista ia dando, gajo bastante culto, interessante e carismático.

E, não sei o que dizer do álbum, se gosto ou não gosto… sou da segunda vaga do metal negro e tudo isto me é novo, no entanto, sei dizer que, sem dúvida, a canção supracitada é tudo o que disseram dela.

Faço anos e tenho raiva, nem sei bem porquê, faço anos e espero que todos se esqueçam e não aconteça, faço anos e aproximo-me da decadência que, por agora, apenas me circunda a alma.


Aos vinte e quatro dias do mês de Agosto, dia do Diabo.


Seconda Stanza: candida

 

Chego a casa e sento-me, chego a casa e sento-me à mesa, sentada sinto-me cansada desde o choro primeiro, ligam-me, estranho o que me dizem, não conheço, não sei de entrega alguma, flores? Quais flores? Não quereria o gajo dizer livro mas é Sábado e o livro que comprei não poderia chegar a um Sábado.

Indico o percurso a seguir ao homem e peço à minha irmã que vá ao caminho buscar as ditas porque me doem as pernas e os pés, ela chega à entrada ladeada por pedras de um portão que já não existe e deixa-me entrever um bouquet de rosas vermelhas envolvidas por gipsófila branca e folhas largas verdes a ornar todo aquele escarlate, há uma larga fita vermelha que enlaça os finos caules e outra branca com um brilhante que a fecha.

Abro o bilhete e vejo um nome apenas, o nome do Cavaleiro-das-terras-brancas e sinto-me toda.

Há surpresa desmedida, há alegria mas há, acima de tudo e de todas as coisas, uma justiça imensa com o divino porque durante as restantes horas deste dia consegui voltar à rapariga que fui na cidade nevoeirenta, consegui sentir-me como me senti lá, longe, nova, normal, começada no caminho certo.

 

Terza Stanza: incolore

 

É o primeiro dia em sete que não vou trabalhar, posso descansar as costas e as pernas da senzala e das correntes e, se exagero, perdoar-me-ás com certeza.

Ontem, quando cheguei ao trabalho e me preparava para vestir a farda, a minha mãe liga-me para dizer que a minha avó tinha morrido, a minha avó materna de que falei no outro dia, prossegui para o ofício e troquei a minha túnica negra pela farda cinzenta enquanto pensava que, pelo menos durante um ano, ninguém me iria chatear quanto ao negro que visto.

Esta minha avó é também minha madrinha e há uns meses que andava neste circuito de hospital-casa, casa-hospital, não que eu saiba porque a última vez que a vi a mulher ainda falava e andava, estava acompanhada pelo meu avô e iam à missa das sete de Sábado e eu ia à junta de freguesia buscar um atestado não sei de quê.

Quando era mais nova e ainda levava o leite à leitaria, pensavam que eu era filha dela, dizia uma velhota que eu lhe era tal e qual em figura, quando tinha a minha idade, confesso que fiquei orgulhosa porque naquela altura ainda ela sabia que era minha madrinha, e ainda nos ia visitando e nós a ela e, a forma como tratou a minha mãe e o meu pai no passado tinha ficado para trás, mas depois houve ruído no canal, tios que desprezo, primos que desprezo, irmão e cunhada que desprezo e pronto lá foi a cena toda.

Não sei se a minha mãe lhe perdoou verdadeiramente, hoje, quando se despedia do caixão que baixava à terra, pela forma daninha como a criou ou se a absolveu de a ter excomungado por ter casado com o meu pai mas, se perdoou, não esqueceu e nunca esquecerá.

O primeiro filho dos meus pais, nomeio-o assim porque não o considero meu irmão, foi criado com eles, com os meus avós, é uma longa história mas posso resumir-te toda a embrulhada a: eles nunca nos incluíram ou respeitaram ou engoliram porque somos pobres, porque não temos nada e porque mesmo assim nunca deixámos que nos calcassem.

É tudo mais ou menos uma escumalha, bem, mais ou menos todas as pessoas o são, mas o bom e o bonito disto tudo foi perceber nos olhos deles todos que enquanto o padre dizia as últimas palavras e o corpo era carregado, eles subiam ao meu nível e davam-se conta de que a morte é.

A morte chega e é certa.

E, curiosamente, lembrava-me das palavras do Valo, aquando da famosa e já aqui, vezes sem conta citada, entrevista de 2007 em que ele falava do tiroteio que houve por essa altura na Finlândia, um rapaz numa escola que matou não sei quantas pessoas, dizia ele, a propósito disso que, às vezes, é preciso uma catástrofe para que vizinhos que se odeiam, dêem as mãos, que sim é mesmo preciso um infortúnio que lhes abane as certezas e que os faça recordar da sua humanidade e insignificância para com a ordem das coisas e, estas, são palavras tão certas como a morte.

Estava eu à beira dos meus irmãos, os únicos netos que se deixavam à margem e reparava em toda aquela gente de negro, nas flores, nas campas, nas lápides, nos meus pais que choravam, em tios-avós que choravam e baixei a cabeça para admirar a minha sombra desenhada no chão e no cabelo que esvoaçava e não tive medo porque sempre soube o que era a morte desde que tinha sete anos, sempre soube que nada vale a pena, tudo morre, tudo são palavras lançadas ao vento.

Chorei porque vi o meu avô chorar, chorei porque o senti velhinho e indefeso e desmedidamente triste mas não chorei muito e até ali não senti grande coisa, diziam que ela era fria e gostava de roupas escuras, eu gosto de roupas escuras também e, há dias em que o vento nas flores do monte me faz chorar, mas há também outros, em que só quero que o Mundo acabe.

Como a vida é inútil, como a vida é perdida... é isso que mais me dá pena.

 

Quarta stanza: piccola annotazione di chiusura


Acabei de ver o último episódio do Lost ontem à noite.

E queria dizer, queria frisar, queria deixar escrito, o quão aquelas pessoas e aquele fio entrelaçado da vida delas e da verdade ou (in) verdade do mundo que as envolveu, se enovelou em mim.

Como sentirei saudades, como sentirei saudades de todos e da ilha, como…

Sem margem para dúvidas, a melhor e a mais engenhosa série de televisão alguma vez feita, não há como suplantá-la.

E, agora, de volta à cinzenta e lusitana realidade.

 

 

publicado por Ligeia Noire às 16:24
música: "They rode on" dos Watain
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16
Mai 13


Intro


Antes de tudo deixa-me bendizer o dia em que regressei ao Lost porque é soberbo, foda-se!

 

Ruminações


Eu, na verdade, não odeio ninguém porque quem não ama, não odeia, ou então gosto de toda a gente e odeio metades.

Estou certa de que desconfio de tudo e lembro-me daquele gajo que disse que mataria os pais, os filhos, até o puto de cinco anos do seu inimigo, sem remorsos mas, não o cão, o cão não teve escolha, os maquiavélicos e os seus soft spots por animais.

Podem ser uns desalmados desde que, para nós, deixem a alma subir aos olhos.

Não sei porque estou a escrever hoje, não estou triste, nem contente, estou aqui somente, sei que daqui por algumas semanas estarei cheia de medo, a semana passada estava em pleno jogo, agora estou aqui, volúvel mas inerte.

Talvez seja uma boa oportunidade para memorizar e ordenar a história do homem de tranças que conheci há uns anos, sim, faz-me sorrir pensar nele.

 

Baptismos concupiscentes


Era uma vez uma rapariga e a sua amiga que gostavam de se sentar afastadas no banco de madeira, quando o sol já sobrava da fotossíntese previamente feita, cognominando todos os indivíduos que lhes chamavam a atenção.

Engraçado nunca ter aparecido nenhuma rapariga que interessasse…

Havia o olhos-pretos-que-são-verdes, referíamo-nos ao gajo literalmente assim, era o James Dean lá do sítio, casaca de cabedal negro, calças de ganga, cabelo preto liso e ligeiramente comprido, uns dez anos mais velho, claro está. O nosso carácter voyeurístico só podia ser estimulado na hora de almoço quando ele fumava perto do lago, ou no sítio dos fumadores, como o pessoal chamava a um recanto ladeado por bancos de madeira e encimado por uma ramada.

Nunca falámos, quer dizer, mais ou menos porque uns tempos depois, na paragem para as férias de Natal, em que já nos encontrávamos no caminho para casa, ele passa por nós, abranda o carro e diz qualquer coisa que nunca chegámos a perceber, escusado será dizer que ganhámos o dia.

Muito mais tarde, já ele tinha acabado o curso, voltámos a vê-lo e, por incrível que pareça, foi numa loja bastante conhecida da zona, lembro-me como se tivesse sido ontem, estávamos na entrada e a nossa reacção, após um espanto desmesurado, deve ter sido um riso nervoso porque coincidências não existem.

Seguidamente, reparámos que ele acompanhava uma mulher já com uma pronunciada gravidez, o que foi ainda mais cómico.

Havia o nosso-menino, este era passível de devassidão da nossa parte porque era bastante mais novo do que nós, havia o caracóis... ah o coletinho por quem a minha amiga teve uma enorme paixão platónica. Chegou até a escrever-lhe uma carta que escondia debaixo da cama e que nunca chegou ao destino.

Ei! Quase me esquecia! O saltinhos... fumava cannabis e gostava de dias apartados para festas de trance privadas regadas a bombons pueris, tinha cabelo espesso curto, pele branca, olhos verdes e um ego altaneiro que de certeza provinha do peso do nome de baptismo que carregava.

Era amigo de um amigo nosso, no final de contas acabámos por descobrir que o nosso amigo era o nível acima e que este ser saltitante era apenas um narciso bem adorado

A última lembrança que tenho dele é de mão dada com uma amiga de uma amiga mas, também, já lhe havíamos perdido o interesse há muito.

Havia outro, quase no final da nossa estadia, não houve cognome individual para o dito, eles eram um grupo e o nome designava o colectivo, havia o que usava a t-shirt dos Bizarra Locomotiva, de cabelo grisalho e o semblante mais esquisito que já presenciei, mal eu sabia que havia de assistir a um concerto desses Bizarra e comprar-lhes o álbum negro uns anos depois.

Havia o amigo de cabelo agressivo, camisa bordeaux, ora preta, ora escocesa, calças negras, docs vermelhas ora pretas.

Aguava-se em mim a estética quando ele passava, era um colírio no meio de tanta monotonia, não seria gótico, nem punk, um intermédio talvez…

E o outro, o meu amigo, vi-o há pouco tempo num concerto, um pouco mais velho do que eu, bem… era mais do que um pouco, o que me atraiu nele… os piercings? As camisolas com desenhos animados? O ar de puto crescido? Ter filhas com a idade da minha irmã? Ou o flyer que ele me entregou daquele bar muito conhecido com o número e o e-mail no verso?

Estávamos na tasca do outro lado da rua, e essa tasca dava uma outra página... era um início de tarde langoroso porque tínhamos acabado o projecto final e já tínhamos o peso de tudo nos ombros e os olhos da saudade, fino leva a fino e vi-o ao fundo, do fundo da rua com o grupo dos que nomeei acima, ele inverteu a marcha e veio ter à mesa onde estávamos, para gaúdio dos meus amigos que levaram os dias seguintes a atiçar a língua.

Ficámos amigos, trocámos números, música, foi ele que me deu a conhecer Queens of The Stone Age, umas cenas de drum 'n bass e um músico tradicional brasileiro do qual não me lembro do nome porque não gostei.

Passeios ao início da noite, cervejas, ideias e depois houve aquela conversa à chuva, numa ponte por cima de uma linha férrea, beijámo-nos, pausei o beijo, depois não sei se não pude ir aos passeios do costume ou se ele foi embora, sei que nunca mais nos vimos até há um ou dois anos no tal concerto, foi estranho apenas.

O último, o trancinhas.

Já falei dele tantas vezes, este gajo foi o verdadeiro fascínio, era um bizarro, à parte de algumas maleitas físicas causadas por anos de drogas duras, era verdadeiramente belo.

Chamávamos-lhe trancinhas porque somos literais, gostávamos da imagem de marca das pessoas, daquilo que as identificava.

A este senhor, era simples, ele usava tranças, cabelos loiros e longos e finos e meios ondulados nas pontas, entrançados que ornamentavam os olhos azuis dum rosto preclaro. A primeira vez que o vi, estávamos longe, do outro lado do átrio, ele estava sentado na relva a enrolar tabaco avulso, parecia um guerreiro medieval, ficámos intrigadas e entusiasmadas. Ao vê-lo de perto nada tinha de bélico, havia um profundo ar silente de águas beiradas de juncais que era apenas perturbado por sorrisos infantis.

Que belo, sim.

Às vezes, punha um malmequer branco no meio das tranças e atravessava a cantina a assobiar, eu ficava fascinada.

Foi no bar do senhor de barbas e por culpa das minhas amigas que primeiro falei com ele. Vendo o meu entusiasmo foram pedir-lhe lume ao balcão, ele veio até à mesa, elas foram até à entrada fumar. Dessa conversa lunática, lembro-me de me ter convidado a colocar as palmas das minhas mãos nas dele e a fechar os olhos, não sei se era da tensão ou da estática mas senti verdadeiramente qualquer coisa de bizarro.

Foi ele que me leu Kafka no banco de madeira, na hora de almoço, foi ele que me ofereceu um disco de seu nome Born in Fire Vol.4, era um cd de metal extremo de uma editora holandesa, acho que a única banda que conhecia, e de nome, eram os Nile, não gostava do género mas guardo-o até hoje.

O pessoal gozava comigo, cantarolava mas ele era singular e por conseguinte tinha as suas singularidades.

Gostava de Radiohead, um dia veio até à minha porta emprestar-me um disco deles ao vivo, não me lembro qual era mas sei que tinha a morning bell, que eu ouvia sempre de manhã enquanto me vestia.

Às vezes, ligava-me e ria e depois eu só ouvia os acordes de uma guitarra e a voz do Kurt Cobain e quando a canção terminava ele desligava.

Foi ele de quem falei quando numa noite, depois de um passeio, nos convidou para jantar, sopa de meia-noite dizia ele, eu recusei, ele insistia e as meninas estavam na sacada preparadas para lhe lançarem, à cabeça incauta, os vasos da senhoria…

Eu sei que todos o achavam alienado, consumido mas ele descobriu coisas de mim que mais ninguém sabia, coisas que eu nunca lhe contei mas que sabia que ele sabia.

Acho que a última vez que falei com ele foi por telemóvel, era difícil acompanhar-lhe o raciocínio, perguntei-lhe quem era, perguntei-lhe tanta coisa…

Ele falou-me de uma namorada, da Holanda, (percebi de onde tinha vindo o disco onde estavam os Nile...) de empregos na Alemanha, disto e daquilo.

Ele sabia como me embaraçar, ele sabia que eu detestava que as pessoas olhassem para mim, o que era difícil quando ele de cabelos soltos caminhava pela cantina e se sentava na minha mesa e pescava do meu prato…

Nunca mais o vi, que será feito dele?

Ainda enlaço o cabelo com fitas, brancas às vezes.

 

publicado por Ligeia Noire às 23:33
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21
Abr 13

 

Sigillum Diaboli


I can't see your sad face in your pitiful lies
Don't have the strength to carry your heavy load of life
I'm your christ to die on you
This world's not for us and you know it as well as I do

 

And I can see through your lies, spill your tears on me
I will lift the burden from your shoulders, you just have to believe
I'm your christ to die on you
This world's not for us and you know it as well as I do
Oh, as well as I do
Just as well as I do
Oh, as well as I do
So, I'm your christ to die on you
This world's not for us and you know it as well as I do

 

Oh, so you've come for more
and you say you want it all
and I cute myself for your love
I'm killing myself for you, yes you

 

And I can't see your sad face, your pitiful lies
Don't have the strength to carry your heavy load of life
I'm your christ and I want you
This world's not for us and you know it as well as I do

 

Yes you do
Yes you do, my Darling
Oh yes you do..
Yes you do, oh my Love.

 

One of the many lyrics' version of Sigillum Diaboli by H.I.M./Uma das muitas variações da letra da Sigillum Diaboli dos H.I.M.

 

Ainda me lembro quando descobri esta canção no computador da Marijuana mas sabia bem que não era dela, era do garoto que conheci por lá, era mais novo do que eu e tinha os mais belos olhos verdes que já havia contemplado num ser humano, de cabelos negros e pele leitosa, infortúnio o meu ao saber que ele tinha um fraquinho pela loira que chegou uns tempos depois e, nem eu nem a rapariga acima fomos contempladas, apesar dela o assediar constantemente com o seu corpo voluptuoso ao saber da minha paixoneta.

Acabei por me ir afastado, cada vez mais, do lago pardacento e, em verdade te digo, ele era apenas mais uma das minhas deambulações.

Mais tarde vim a aperceber-me de que éramos imiscíveis, que o intimidava e que, afinal, ele era o meu perfeito oposto e, pronto, lá se foi o meu capricho.

Tenho de juntar a Marijuana à lista de coisas de que tenho de falar no futuro, essa rapariga foi responsável pela minha cedência que deu em namoro com o resgatador de rapúnzeis… aliás, aqui há uns tempos ele veio perguntar-me se eu gostava de mulheres e se isso era a causa de a nossa relação ter acabado.


Arlequim chocalha os guizos e salta para o meio da sala.


Nunca percebi muito bem a razão pela qual ela lhe foi contar que se sentia arrependida de não ter ido mais além e que ainda hoje se pudesse não pensaria duas vezes.

Gostava de me desafiar, a pequena, mas dessa sabia eu que não reinava perigo, confesso que se não tivesse ido embora teria provado vienetta comigo e com elas, mas foi e partiu-se ali qualquer coisa.

Ela era diferente da rapariga-que-tem-nome e da de cabelos de trigo, era a popular, toda a gente gostava dela, tinha feições atraentes, mamas pesadas, cabelos lisos e escuros, olhos igualmente escuros.

Não era misteriosa e inesperada como a rapariga-que-tem-nome, nem doce e aventureira como a de olho azul.

Queria imiscuir-se, queria atenção, não era má, era uma menina.

Engraçado ele ter-me querido sondar com isso depois de ter falado com ela, claro, era mais uma esperança, uma decisão mais fácil de aceitar do que o "nunca senti mais do que carinho por ti", ora Supremo... há pessoas que preferem bater com a cabeça só porque sim, é claro que ele nunca conseguiu entender o motivo, é claro que para ele seria mais fácil conceber que eu fosse um carreiro unidireccional, do que carreiro sequer e, por isso, o ter deixado de espada desembainhada e cavalo arfando.

Tive de rir e rindo lhe dei a minha resposta.

Mas ia eu dizendo que, na altura, achava que possuía e conhecia tudo o que os garçons dos mil lagos haviam gravado... ao descobrir esta pérola: brancas e insufladas flores se verteram de mim, mais não me seria pedido, pois claro.

E, não seria de todo insensato da minha parte atestar que, talvez, tenha sido por causa desta música que achei os olhos de lago musgoso e a pele leitosa uma praticável parelha.

Olha que não é assim tão disparatado, são os detalhes, os adornos, as personalidades bordadas que dão forma a pelos enriçados e desejo a lábios molhados.

Houve um jantar lá, acho que não havia pratos que chegassem, tínhamos de fazer pouco barulho porque os senhorios deles moravam por cima e não era permitido meninas por ali.

Juntámos todas as bebidas que eles tinham e com dois copos de shots e palitos fomos trabalhando a roda do destino.

Lembro-me de nos termos escondido debaixo das camas e lembro-me de eles nos acompanharem a casa, estavam pontilhadas estrelas no céu e o de olhos verdes insistia no facto de não estar bêbado, embora lhe fosse bem difícil manter a caminhada alinhada, o rapaz alto parou e sentou-se no banco de uma paragem de autocarro e vomitou, uns querem ser diferentes, bizarros, o nosso amigo era o solitário desde sempre, apesar de o pessoal se meter com ele, acho que só quando veio parar ali se sentiu verdadeiramente acompanhado.

Não me recordo de mais nada dessa noite.

A maior parte das vezes íamos para o monte, um sítio demasiado belo, nocturno e perigoso, o carro era periclitante, nós não tínhamos medo, foi nesse grupo que conheci um rapaz que tem o mesmo nome da flor selvagem, foi ele que me disse que os Audioslave tinham acabado e que me emprestou o Out of Exile.


Andar, andar, rir e andar e beber.


A última vez que saímos, lembro-me de pouco, era aquele bar de véus decorado e jogávamos ao nosso jogo acriançado preferido, foi divertido, éramos nós e a noite e a liberdade.

Haveria muito para dizer mas estou aqui pela música.


You're under pressure baby 
Christ has returned, he's returning...

publicado por Ligeia Noire às 23:26
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08
Abr 13

 

Foda-se é tarde, estou com o rádio mal centrado na antena 3, isto deve ser a Nação Hip-hop do Abreu. Ora aí está um género que me é antagónico, por falar em rap, acabei de ver um filme sobre um tal de Notorious Big, só me lembro do nome do tipo por causa dele, ya da flor-selvagem.

Foi também por ele que ouvi, pela primeira vez, o nome Tupac, o gajo que fazia rimas e curtia Shakespeare. O senhor da lei que me veio oferecer um bouquet, há uns tempos, também era da mesma onda mas vivia do outro lado do rio e, ao contrário do cliente do Caronte, lecciona o catecismo e gosta do David Mourão-Ferreira.

A flor-selvagem, esse incógnito que tanto pó por aqui agitou...

Ah... foi preciso passarem anos para me dar conta do resto, só vejo o minucioso, lembras-te?

Ele permitiu que eu me desse conta de que foi sempre entre mim e mim, o meu carreiro esburacado, ajudou-me a ser ainda mais minha, lutei sempre comigo, era para mim que os degraus se estendiam, não para cima como ele queria, o nirvana, mas para baixo, o escondido.

Sempre foi desejo, entre nós, sempre foi tentação prolongada, camisas rasgadas e conversas sempre de madrugada: ele pedrado e eu bêbada.

O lírio, eu o lírio, o cabelo, as mamas pressionadas no corpo estendido e ya pára aí, cabeça minha de pensar.

Antes de todos estes detalhes se alinharem como um mapa astral, comecei a pensar que lhe tinha perdido o respeito, eram ideias de ah e tal um ilícito, lunático, narcisista, já fui nesse barco, já estou por cima mas o passado é o passado e a selva vai sempre albergar uma flor que cresceu no e do cimento.

Mas não foi por isto que tive de vir aqui, foi pelo Cavaleiro, quero oferecer-lhe raios de luz, quero fazer-lhe tranças, como as dos bravos da Escandinávia, foda-se eu faço-o sorrir, eu faço-o sorrir.

Porra, se não me apaixonar por este, ganho uma viagem na barca, só de ida e sentada numa almofada de veludo carmesim, topas?

Nunca liguei a estas merdas quadradas do amor e dos duos, tu sabes, eu escrevo de coisas pentagonais mas isto da vida humana, da verdade dos olhos, da humanidade, da relação entre almas fita-me as orelhas como a um felino.

Eu gosto dele.

Talvez ele te consiga curar, digo-me.

Sabes Supremo, isto é importante, ter o condão de fazer o dia abrilhantar-se só porque sim, mostrei-lhe que o Mundo não é assim tão miserável, que a vida não é totalmente uma merda dolorosa, fico contente.

Da minha negritude, adormeci todo o meu abismo, o paradoxo!

Não escondi Supremo, nada, mas quis que ele fosse feliz e foi, nessa coisa de felicidade compartilhada que me vi de sorrisos tolos quando se lhe abria o sol no rosto coroado pelos olhos azuis.

Não o permitiria a mais ninguém, sabes, de me ver assim... docinha e amenizada, também nunca quis ser o lobo, ou o predador, sou das que sabe baixinho, sem estrilho, das que quer um berço mas que não embala mas isso não invalida que faça a ventura de quem a merece, girl behind the wheel, driving anywhere, é... se calhar não há volta a dar, tenho de assumir que, se calhar, não vai ser assim, não nesta vida, não nesta volta.

publicado por Ligeia Noire às 02:20

05
Mar 13


Somos órfãos até de nós próprios.

Abandonámo-nos.

Não há nada aqui, não há magia, esperança, fé.

Não sei como era séculos antes, ou nos primórdios... mas, agora, está tudo ainda mais maquinal do que na ida Metrópolis, não há nada aqui em baixo, já não há, acredito que houve, nalgum momento no tempo mas não agora, não agora.

Não há misticismo, mistério, fantasmagoria, epifanias…

Estive a ouvir Sigur Rós, aquela música que parece uma litania fúnebre.

Nos meus anos de adolescente, lembro-me de estar a ver a tabela de discos na televisão e do nome destes gajos aparecer, várias vezes, por ali. Passavam telediscos deles também, deviam vender bem por cá, aliás sempre tive a ideia de que a relação de Portugal com eles era bastante profícua.

Na altura não ligava muito a música, nem sabia bem o que era.

O que passava era uma merda e aquilo que não o era, não chegava cá.

No caso destes islandeses, não percebia ou achava aborrecido e demasiado divagador, já não recordo.

É curioso que, mesmo na altura da ditadura das editoras, que graças à internet acabou de vez, havia alguns furões que conseguiam escapar até lugares tão recônditos quanto aqui o bosque que, certamente, seria bem mais perdido que Reiquejavique.

Estou a conhecê-los, hoje, depois de tantos anos…  hoje e agora que a minha cultura de música etérea e shoegaziana é um pouco melhor e a solitude mais à vontade.

Nas alturas em que me resvalo, um pouco, da violência para permanecer por outras paragens, páro muito.

Devo agradecer aos Alcest que, tantas bandas novas e admiráveis já me ofereceram e que, uma vez mais, me desataram novos/velhos atilhos.

E, pronto, já que o Winterhalter e o Neige foram gravar o novo disco para a Islândia, no estúdio e com o produtor dos Sigur Rós e, graças a uns pozinhos vampirescos lá me decidi a visitar as encostas destes ambientes sonhados.

Escusado será dizer que as que mais me adocicam são as tristes, as muito tristonhas.

Impossível não me lembrar, um pouco, dos Dead Can Dance, Cocteau Twins e mesmo dos My Bloody Valentine, tudo divindades e, mais uma vez, é preciso maturidade e calmaria para namorar as conchas.

A escrever-te e a lembrar-me do primeiro concerto que os My Bloody Valentine deram em Portugal, foi num festival novo, lá p’ro Algarve, onde os Offspring eram cabeças-de-cartaz e actuavam a seguir aos referidos, já podes imaginar o conflito de públicos…

Li por aí um fã da banda americana dizer que até gostou do som dos irlandeses (à parte do holocausto) mas que gostava que os vocais estivessem mais audíveis, fossem mais proeminentes.

Destaque é tudo o que o Shoegazing não é, aliás, conta-se por aí que o epíteto do género foi começando a pegar porque os guitarristas que iniciaram por este terreno estavam sempre de cabeça baixa, olhos postos nos pés, isto é, nos pedais a causarem a tão definitória distorção.

Assim, a voz neste género não tem a mesma superioridade ou não coloca a cabeça no outeiro como a da ópera, a do rap ou a do RnB.

A voz, aqui, é mais um instrumento, as palavras só estão ali porque sim, podiam significar coisas ininteligíveis, podiam, olha a glossolalia da boca da Elizabeth Fraser, da Diamanda ou mesmo o dialecto esperançoso do vocalista dos Sigur Rós, não interessa, é para o the greater good como diria o Reznor que anda por aí a espreitar.

E não sei porque fui por aqui, eles nem sequer são shoegaze, são pós qualquer coisa, rock, sim rock ah já tinha dito…

E coloquei os auscultadores e fui à deriva até ao monte.

Já estava a escurecer e caiu aquela ambiência nocturna que me causa água na boca, o céu com bocados bem escuros, o vento espesso a sacudir as árvores todas, ainda bem que tinha o cabelo entrançado e preso com ganchos, não chovia e estava frio seco.

Lá de cima, olhei para o lá em baixo e lembrei-me da dureza de tudo e lembrei-me de uma entrevista do Johannes dos Cult of Luna aquando, provavelmente, do Somewhere Along The Highway, ou seria do Salvation?

Não, não era… em que eles tinham ido gravar para um celeiro, ou cabana lá p'ro meio dos nenhures suecos e, durante a noite, viram uma rapariga de branco lá ao fundo e nunca chegaram a saber de onde vinha ou para onde foi…

Bem, se calhar inventaram isso, como inventaram a historia do Holger Nilsson no Eviga Riket, confesso que fiquei fodida, até já estava com ideias de traçar um paralelo entre os males do Reino do Ugín e o mal nascente do Twin Peaks mas agora não me apetece, não, que não existam pessoas, aparentemente, sofredoras de distúrbios mentais a cometerem crimes e a não assumirem os mesmos, acusando seres aparentemente fantasiosos…

Digo isto porque estava ali, no alto, com o vento a levantar as folhas que não caíram e o céu negro cedia algumas pingas de chuva ou lágrimas de Deus porque a música chorava e porque o Mundo é um lugar tão triste e tão sozinho e tão sem pai, porque estou triste e quando estou triste todas as gotas são lágrimas.

 

publicado por Ligeia Noire às 01:08
sinto-me: de noite
música: "Dauðalogn" dos Sigur Rós

26
Out 12


Just freedom is only a hallucination

That waits at the edge of the distant horizon

And we are all strangers in global illusion

Wanting and needing impossible heaven


Chasing the dream as they swim out to sea

The mirage ahead says that they can be free

Become lost in delusion drowning their reason

Swept on by the current of selfish ambition

 

Frightened ashamed and afraid of the blame

The questions are screaming the answers are hiding

The sickness is growing distracted condition

You can feel the disgust and smell the confusion

 

Lying insane getting soaked in the rain

Draining the sky of the guilt and the shame

The nightmare is coming the clouds are descending

Pulled under two thousand metres a second

 

Clawing at walls that just slip through my fingers

Darkness consuming collapsing and breaking

Distilled paranoia seeped into the walls

And filled in the cracks with the whispering calls

 

Shadows are forming take heed of the warnings

Creeping around at four in the morning

Lie to myself start a brand new beginning

But I'm losing my time in this fear of living

 

Freedom is only a hallucination

That waits at the edge of the places you go when you dream

Deep in the reason betrayal of feeling

The mistakes that I made tore my conscience apart at the seems

 

Freedom is only a hallucination

That waits at the edge of the places you go when you dream...

 

Freedom is only a hallucination

That waits at the edge of the places you go when you dream


Deep in the reason betrayal of feeling

The mistakes that I made tore my conscience apart at the seems

 

Freedom is only a hallucination

That waits at the edge of the places you go when you dream...


Letra dos Anathema/Lyrics by Anathema 

publicado por Ligeia Noire às 12:06
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21
Jul 12


You see

I grew up in a hole

Squeezing diamonds out of coals

I'm the seventh son

I’m the only one

And I’m...

On the rise


Sei lá, parecia tão simples, tão certo, tão coisa que deveria ser feita e seguida, tão solução dos fracos e oprimidos mas, agora que saltei para dentro da bolha de sabão rosa, só quero que ela expluda e, se comigo na sua barriga, então supimpa!

Sou tão dissimulada, não sou mentirosa, não minto, acho que mentir é demasiado fraco, é outra coisa.

Eu não falo, ou falo metades ou encubro inteiras partes completas.

Que poderia eu fazer, que posso eu fazer, senão acometer-me às bolhas de sabão que pululam à roda dos meus sopros vitais.

Lá vem o pobre rato de bigodes encarquilhados, refém das suas urgências pelo descontentamento eterno.

As coisas em que eu me enovelo…

Jesus das barbas compridas e de vermelho sangue, às vezes gostava de foder o mundo e ser por ele fodida: And I’m about to drink your blood…


Well, is it true what they say about it?

They say it's new, but I have to doubt it
And then they tell you everything about it
Had enough?
I got some people saying this way
I got some people saying that way
I got some people saying there's no way
Ain't it tough?

See the idiot walk
See the idiot talk
See the idiot chalk up his name on the blackboard
See the robot walk
See the robot talk
See the robot write up his name on the ballot
They say, this is all I need to get by
The truth is, baby, it's a lie.


Excertos dos The Hives/Excerpts by The Hives


publicado por Ligeia Noire às 12:39
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